Sentença -Deus Seja Louvado-

Consulta da Movimentação Número : 51

PROCESSO

0019890-16.2012.4.03.6100

 

Autos com (Conclusão) ao Juiz em 22/05/2013 p/ Sentença

 

*** Sentença/Despacho/Decisão/Ato Ordinátorio

 

Tipo : A – Com mérito/Fundamentação individualizada /não repetitiva Livro : 4 Reg.: 401/2013 Folha(s) : 53

 

Vistos, etc.Trata-se de ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, pretende o autor a condenação dos réus à obrigação de fazer consubstanciada na retirada da expressão “Deus seja louvado” das cédulas de dinheiro nacional.
Informa que foi instaurado na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão o Inquérito Civil n1.34.001.007230/2011-17 para apuração da notícia de violação ao princípio da laicidade do Estado em razão da inclusão da expressão “Deus seja louvado” nas cédulas de Real.
Sustenta que, nos termos do inciso VI, do artigo 5, da Constituição Federal, sendo o Brasil um Estado laico, em que não há vinculação entre o Poder Público e uma determinada religião, a liberdade de consciência e crença religiosa deve ser a assegurada a todos.
Argumenta que a manutenção da referida expressão não se coaduna com a condição de coexistência entre convicções religiosas, características da laicidade estatal, uma vez que configura uma predileção pelas religiões adoradoras de Deus, constrangendo a liberdade de religião dos cidadãos que não cultuam.] Aduz que o princípio da laicidade do Estado e a liberdade religiosa impõem ao Poder Público o dever de garantir a neutralidade, não se concebendo a proeminência da ideologia de uma religião em detrimento das demais.Entende que a expressão em comento impressa em papel-moeda implica violação do princípio constitucional da laicidade estatal, da liberdade de crença e da legalidade, tendo em vista a ausência de preceito legal autorizando a inclusão de frases com conteúdo específico que manifestem predileções.
Alega que a liberdade de religião é garantida no art. XVIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos arts. 2,3 e 4 da Declaração Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções.
Juntou documentos (fls. 11/104).A fls. 109 foi determinada a intimação da União Federal e do Procurador do Banco Central do Brasil para que se manifestassem no prazo de 72 horas, nos termos do artigo 2º da Lei nº 8437/92, após o que deveriam os autos retornar à conclusão para apreciação do pedido de tutela antecipada.
A fls. 116/152 a União apresentou sua manifestação, postulando, em síntese, pelo indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela diante da ausência dos requisitos legais previstos no artigo 273 do Código de Processo Civil. O BACEN pronunciou-se a fls. 153/170, requerendo a negativa do pedido de tutela antecipada, alegando estarem ausentes os pressupostos legais para a sua concessão, bem como estarem evidenciados os prejuízos decorrentes de eventual deferimento. Indeferida a antecipação de tutela por decisão exarada a fls. 171/172.
Devidamente citada, a União apresentou contestação alegando, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do Ministério Público para a propositura da ação civil pública em apreço. No mérito, pugnou pela improcedência do pedido, nos termos do art. 269, inciso I, do CPC. (fls. 182/229).A fls. 233/252 o BACEN apresentou contestação requerendo a total improcedência do pedido.
Réplica a fls. 268/282.A fls. 305/322 requereu a Casa da Moeda do Brasil o seu ingresso no feito na qualidade de assistente dos réus. No mérito, pleiteou pela improcedência dos pedidos formulados pelo autor.A fls. 323 os autos foram baixados em diligência a fim de que as partes se manifestassem sobre o pedido formulado pela Casa da Moeda do Brasil atinente ao seu ingresso no feito na qualidade de assistente dos réus. A fls.324/326 o BACEN apresentou tréplica, reiterando os termos de sua contestação.
A União manifestou-se a fls. 330, não se opondo ao pedido de assistência.O Banco Central do Brasil concordou com o ingresso da Casa da Moeda do Brasil como assistente (fls. 331/332).O MPF manifestou-se a fls. 333vº, não se opondo ao deferimento do pedido da Casa da Moeda de ingressar no feito.

Vieram os autos à conclusão.É o relatório.Fundamento e Decido.Defiro o ingresso da Casa da Moeda do Brasil como assistente.A preliminar de ilegitimidade ativa reafirmada na contestação da União já foi analisada na decisão de fls. 171/172.Passo ao exame do mérito.
Sob a alegação de ofensa à liberdade religiosa e laicidade do Estado, pretende o Ministério Público Federal a retirada da expressão “Deus seja louvado” das cédulas monetárias. A Constituição Federal, em seu artigo 19, veda expressamente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o estabelecimento de cultos religiosos ou igrejas. Diz o texto da Carta Constitucional: Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
Essa cultura de separação de Estado e Igreja e fruto de doutrina política que tem em John Locke seu principal expoente e a Revolução Francesa seu principal agente difusor. Interessante notar que até hoje a Inglaterra, país natal deste pensador mantém-se como Estado religioso, onde o monarca assume a posição de chefe da Igreja, desde os tempos em que Henrique VIII rompeu com o Papa. em 1534. Especificamente no caso brasileiro, durante todo o período colonial, a religião oficial era a Católica.
No Império, em 1824 uma mudança legislativa permitiu a liberdade de crença em espaços privados. Somente após a promulgação da República, a Constituição de 1891 institui a separação da Igreja e do Estado Liberdade religiosa e Estados laicos não são sinônimos.
O exemplo mais contundente dessa distinção é, como já dito, o da Inglaterra, país com alto grau de liberdade religiosa, mas com uma religião estatal reconhecida na Constituição, onde o monarca é o governador supremo.
No Brasil a longa tradição católica como religião oficial (mais de trezentos anos) deu nome a muitas cidades, institui vários feriados oficiais e delineou culturalmente o país. Tanto é assim, que apesar de não existir uma religião oficial, o Cristo Redentor é símbolo do País e o Natal é comemorado com decorações pagas pelas Prefeituras na grande maioria das cidades.
Compete ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público Federal, sob o argumento da inconstitucionalidade, afastar todas essas práticas, mudando o nome das cidades, abolindo feriados religiosos, impedindo que o Poder Público mantenha símbolos religiosos e comemorações afins? Creio que não.
Como dito na decisão que indeferiu a antecipação da tutela a própria Portaria que institui o Inquérito Civil Público e ensejou a propositura da presente ação não se baseou em qualquer sorte de clamor popular. Ao contrário, tudo surgiu no seio interno do Ministério Publico Federal, como se lê no documento de fls, 16 em que a representação inicial foi oferecida por um Procurador da República perante outro. A pretensa ofensa a interesses de camadas indeterminadas da população que não são cristãs não veio representada em um local sequer.
Tamanha indeterminação poderia ter dado margem a outra linha argumentativa, na medida em que a expressão “Deus seja louvado” nas cédulas monetárias também serve de argumento a ser utilizado por grupos religiosos, inclusive cristãos, no sentido de que dinheiro não é lugar para a inscrição do nome de Deus. Como se percebe, tratam-se de conceitos abstratos, e com alta carga valorativa.
Seja qual for a linha que se adote, não compete ao Judiciário definir se esta inscrição pode ou não estar cunhada no papel moeda. Ela, em si, não fere nenhum direito individual ou coletivo, ou impõe determinada conduta. O próprio Constituinte optou por inserir menção a “Deus” no preâmbulo da Constituição.
Acolher esta pretensão seria admitir que o Poder Judiciário também pudesse abolir feriados nacionais religiosos já comemorados de longa data, determinar a modificação do nome de cidades, proibir a decoração de natal em espaços públicos e impedir a manutenção de reconhecidos símbolos nacionais de cunho religioso com dinheiro público.
Essa decisões devem ser tomadas pela coletividade através de seus representantes, ou até mesmo pelo Poder Executivo, como no caso do papel moeda. Como salientado pela União, trazendo em sua contestação o julgado Lynch v Donnelly, a Suprema Corte americana afirmou a constitucionalidade da colocação de um presépio em um parque municipal, assentando à impossibilidade de total separação entre Estado e religiosidade.
Importante frisar que apesar de o Estado americano ser secular, sua moeda também vem grafada com expressão “in god we trust” sendo que até o momento o Poder Judiciário local não acolheu a pretensão de grupos ateus de excluir a expressão das cédulas.
Isto posto, com base na fundamentação traçada, entendo, que a expressão cunhada na moeda não é ilegal e sua menção não ofende direito fundamental ou bem jurídico que justifique sua retirada pelo Poder Judiciário. Isto posto, rejeito o pedido formulado e julgo improcedente a ação a teor do artigo 269, I do CPC.Sem custas e sem honorários.

Sentença sujeita ao duplo grau necessário. Ao SEDI para inclusão da Casa da Moeda do Brasil como assistente simples. P.R e I

 

Ato Ordinatório (Registro Terminal) em : 12/06/2013