Portugal Inexistência Relação Trabalho Pastor-Igreja

Acórdãos STJ

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Processo:

04S276

Nº Convencional:

JSTJ000

Relator:

FERNANDES CADILHA

Descritores:

CONTRATO DE TRABALHO
ELEMENTO CONSTITUTIVO
IGREJA

Nº do Documento:

SJ200406160002764

Data do Acordão:

16/06/2004

Votação:

UNANIMIDADE

Tribunal Recurso:

T REL LISBOA

Processo no Tribunal Recurso:

3553/2003

Data:

01/10/2003

Texto Integral:

S

Privacidade:

1

Meio Processual:

REVISTA.

Decisão:

CONCEDIDA A REVISTA

Sumário :

I – Os diversos elementos que, segundo critérios de normalidade, poderiam apontar para a existência de uma relação jurídica de trabalho subordinado, fazendo prevalecer essa qualificação sobre modalidades de contrato afins (retribuição, regime fiscal e de segurança social, vinculação a horário de trabalho e execução da prestação de trabalho em certo local), não tem qualquer valor indicativo quando se constate que as partes não quiseram estabelecer entre si qualquer relação de tipo contratual.
II – Está nesse caso, o ministro do culto de uma associação religiosa que aceitou exercer o seu ministério de acordo com os fins
religiosos que lhes são propostos pela respectiva confissão, integrando-se na sua estrutura organizativa, e cujos elementos de vinculação no exercício da actividade derivam de um regime estatutário, e não de uma relação contratual.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça1. Relatório”A”, identificado nos autos, intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra B, com sede em Lisboa, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe diversas remunerações que seriam devidas no âmbito de um contrato de trabalho que com ela celebrou em 1992.Por sentença de primeira instância, foi julgada improcedente a acção, por se ter entendido que o autor não provou, como lhe competia, que a relação jurídica existente entre as partes era de contrato de trabalho.Em apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa deu provimento ao recurso interposto pelo autor, e condenou a ré a reconhecer a existência do contrato de trabalho, e a pagar, a título de remunerações devidas, o montante total de 6220, 81 Euros.É contra esta decisão que se insurge agora a ré, mediante recurso de revista, em cuja alegação formula as seguintes conclusões:1º Atendendo à matéria provada sob as als. D) a F), P), U), LL), MM), NN), OO), PP), QQ), SS) e TT) e dada a fisiologia e a estrutura da recorrente, que resultou provada e que ficou descrita nas als. A), B), LL) e SS), por tão imprecisos e fortes, teremos de nos convencer, por ser essa a realidade, que não estamos perante um típico contrato de trabalho.2º Não houve qualquer contrato de trabalho, antes uma investidura fundamentada num reconhecimento vocacional e espontâneo. O autor abandonou a vida civil. Exprimindo a sua vontade, voluntariou-se para a obra missionária. Foi ordenado pastor, em cerimónia de investidura, pelo Presbitério Geral.3º Na temática “sub judice” foi já tirado um acórdão da Relação de Lisboa que, sabiamente, decidiu no sentido ora pugnado.4º O A. era um membro integrante da associação, uma parte de um todo. Esta é formada por todos os fiéis, auxiliares de pastor, pastores e bispos. Todos entram na Igreja voluntariamente.5º Não era a recorrente que recebia o produto da actividade do A mas sim os fiéis. A recorrente só o recebia na medida em que os fiéis fazem parte da Igreja. É o projecto de evangelização que é o alimento de qualquer pastor ou padre e não os resultados económicos.6º Ao contrário do constante do douto acórdão da Relação de Lisboa, não há qualquer razão para colocar reservas à declaração emitida pelo A. E não releva tão só o facto do autor ter emitido e assinado a declaração, mas, também, a prova que “A prestação do autor foi sempre feita nos moldes referidos na declaração especificada na alínea P)”. Ou seja, a sua própria prestação, foi efectuada nos termos constantes da declaração.7º Para mais o autor havia alegado que tinha sido obrigado a assinar a referida declaração, o que foi quesitado sob o 35º da base instrutória, e, tal facto, resultou não provado. Não logrou tal desiderato, pelo que, se tem que aceitar que a declaração foi emitida sem vício ou reticência.8º Conforme referiu o Exmo. Sr. Procurador Adjunto na Relação “Sendo certo que o A “motu próprio” e porque era do seu interesse, como decorre do que atrás se disse, se preocupava tão só, em maximizar o montante das esmolas oferecidas pelos fiéis em cada sessão, não tendo neste particular, aliás, a Ré qualquer interferência.”9º Nestes termos não era aplicável o artigo 1152º do Código Civil. Como também não o era o artigo 1º do RJCIT, aprovado pelo DL nº 49408, de 24.11.69.10º O autor não logrou provar que existia um contrato de trabalho, pelo que, nos termos do artigo 342º, nº 1, do CC, a sua pretensão teria de soçobrar. Não pode pois, a recorrente aceitar o douto acórdão ora em sindicância. Deverá ser substituído por outro que, absolvendo a recorrente do pedido, mantenha a decisão da 1ª instância.O autor, ora recorrido, sustentou o bem fundado do julgado, considerando ser de manter a qualificação jurídica da situação dos autos como contrato de trabalho subordinado, por a tal não obstar o facto de a ré ser uma associação religiosa e ter por objecto a realização de cultos religiosos e obras de acção social.Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser concedida a revista, por entender que, tendo o autor exercido uma actividade de pastor de uma confissão religiosa, os indícios que poderiam apontar no sentido da existência de um contrato de trabalho, deverão ser interpretados nesse específico contexto, mormente no tocante aos benefícios de alcance económico, que mais não serão do que meios de subsistência ou de sustentação do munus religioso.Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.2. Matéria de facto.A) A ré é uma associação religiosa que tem por objecto a realização de cultos religiosos e obras de acção social visando a protecção dos mais desfavorecidos, designadamente, assistência à família, crianças necessitadas, abandonadas e órfãs, a idosos, viúvas, presos, doentes e ainda a recuperação de delinquentes e tóxico-dependentes.
B) A ré tem uma Ordem Ministerial composta por Bispos, Pastores Titulares e Pastores Auxiliares; cada Bispo tem uma área de influência aí orientando os Pastores e Auxiliares.
C) No segundo semestre de 1992, o autor passou a integrar a associação ré como “Pastor Auxiliar”.
D) Como “Pastor Auxiliar”, o autor esteve colocado nas Igrejas de Alvalade, Estrada da Luz, Império, Cruz de Pau, Setúbal, Almada, Amadora e Barreiro, Matosinhos, Gaia, Porto e Braga.
F) Em Julho de 1993, o autor foi nomeado “Pastor”.
G) Como “Pastor”, o autor esteve colocado nas Igrejas de Paio Pires, Amadora, Estrada da Luz, Alvalade, Massamá, Sacavém, Reguengos de Monsaraz, Sines, Setúbal, Beja, Coimbra, Viseu e Águeda;
H) A ré pagava mensalmente ao autor quantias variáveis sobre as quais efectuava descontos para a Segurança Social e para o IRS e de que emitia recibos, custeava o alojamento do autor e da sua mulher e, a partir de 1998, atribuía ao autor o uso de veículo automóvel da frota que tinha adquirido.
I) A ré pagou ao autor as seguintes quantias:
– em 1995: 60.000$00/mês x 12, + 22.652$00, de ajudas de custo, em Dezembro + 60.000$00, de subsídio Natal;
– em 1996: 60.100$00/mês x 4 + 100.100$00/mês x 8 + ajudas de custo – 22.652$00/mês x 4 + 28.397$00/mês x 8 – + 60.000$00, de gratificação, em Agosto + 28.397$00, de gratificação, em Dezembro + 100.100$00, de subsídio de Natal;
– em 1997: 100.200$00/mês x 12 + ajudas de custo –28.397$00/mês x 12 – + 28.397$00, de gratificação, em Dezembro + 100.200$00, de subsídio de Natal;
– em 1998: 134.500$00/mês x 2 + 140.000$00/mês x 4 + 176.500$00/mês x 6 + 88.250$00, de gratificação, em Julho + 176.500$00, de subsídio de Natal;
– em ano de 1999: 177.000$00/mês x 2 + 182.400$00/mês x 4 + 208.700$00/mês x 6 + gratificações em Julho – 12.173$00 + 190.000$00 – + 208.700$00, de subsídio de Natal;
– em 2000: 211.000$00/mês de Janeiro a Agosto e de Setembro até ao final do ano;
J) A partir de 1999, a ré, com autorização do autor passou a descontar no vencimento deste a quantia correspondente a 10%, destinada à “Associação de Bispos e Pastores” que tinha como objectivo reembolsar os sócios inscritos das despesas médico-medicamentosas não cobertas pela Segurança Social.
L) A esse título, a ré descontou ao autor 82.067$00, no ano de 1999 e 221.550$00 no ano de 2000.
M) Por o autor ser sócio de “Associação de Bispos e Pastores”, o autor e a mulher receberam 119.885$00, no ano de 1999 e 167.914$00, no ano de 2000, a título de reembolso de despesas médico-medicamentosas não cobertas pela Segurança Social.
N) As Igrejas de Reguengos de Monsaraz, Sines e Beja têm dádivas mensais de € 3000 a € 5000 e uma média de 70 e 50 pessoas, respectivamente a primeira e a segunda e terceira.
O) A Igreja da Amadora, tem uma média de 300 pessoas e dádivas mensais de cerca de € 30.000 a € 40.000, a Estrada da Luz uma média de 200 pessoas e dádivas mensais de € 20.000 a € 25.000, a de Alvalade, com uma média de 150 pessoas e dádivas mensais de € 15.000, a de Setúbal, uma média de 150 a 200 pessoas e dádivas mensais de € 15.000 a € 20.000, a de Coimbra, uma média de 300 pessoas, a de Viseu 130, a de Águeda 90, e dádivas mensais entre os € 5.000 e os € 30.000.
P) Em 4 de Setembro de 1995 o autor emitiu e assinou a declaração junta com a contestação como doc. 9 onde se lê, o seguinte:
1- Por livre deliberação e espontânea vontade, tornei-me pastor da B.
2- Para todos os efeitos legais, declaro que essa actividade continuará a ser desenvolvida sem visar qualquer vantagem de ordem financeira, eis que se trata de actividade estritamente religiosa, voltada para os fieis da B.
3- Declaro mais que a Igreja assumiu para comigo o único compromisso de orientar a minha actividade pastoral, prestigiando o seu exercício sem que se estabeleça qualquer vínculo laboral, enquanto eu desenvolver este ministério, sendo que, se eventualmente eu desvincular-me da dita associação, esta não terá qualquer tipo de responsabilidade ou obrigações para comigo e minha família.
Q) Em 2 de Fevereiro de 2001, o autor informou a ré de que pretendia deixar de exercer a sua actividade, o que fez nos termos que constam do doc. 10, junto com a petição.
R) Pretendeu a ré que o autor assinasse recibo onde se declarava nada ter a haver ou a reclamar a qualquer título da B, que o autor recusou fazer (doc. 11, junto com a petição).
S) A estrutura da ré durante o ano de 2000 compreendia o Bispo responsável do país – Bispo C – Bispos Auxiliares, Pastores Regionais, Pastores e Pastores Auxiliares.
T) Enquanto “Pastor Auxiliar” tinha tarefas administrativas relacionadas com as Igrejas onde estava colocado e substituía o Pastor nas suas tarefas relacionadas com o público que as frequentava.
U) Como “Pastor”, o autor geria e administrava as Igrejas onde estava colocado, pedia e recolhia colectas das pessoas frequentadoras da Igreja, presidia às reuniões de culto e atendia as pessoas que o procuravam.
V) E estava obrigado a reunir, semanalmente, com o “Bispo” e com o “Pastor Regional”, que lhe transmitiam os objectivos estipulados para essa semana de montantes de colecta a apurar, as formas de se dirigir aos fiéis e os temas das alocuções.
X) Que posteriormente verificavam se os objectivos económicos tinham sido atingidos.
Z) Os objectivos fixados ao autor consistiam em colocar o máximo número de pessoas na Igreja da área onde estava e atingir os resultados económicos estipulados mensalmente e em cada “campanha”.
AA) O autor foi colocado nas Igrejas especificadas na Alínea O) por ter cumprido as ordens do “Bispo” e atingido os objectivos que lhe tinham sido fixados e com vista a melhorar os seus rendimentos e a aumentar a sua frequência.
BB) Quando o autor não lograva realizar os objectivos que lhe tinham sido fixados era chamado perante os seus superiores, onde devia justificar o seu comportamento.
CC) O autor foi colocado nas Igrejas especificadas na Alínea N) por não ter logrado realizar os objectivos que lhe tinham sido fixados.
DD) O autor por indicação do Bispo, de 2ª a 6ª feira e ao Domingo, abria a Igreja onde estava colocado às 9h e permanecia aí até terminar a última reunião que tinha início às 19h e 30m.
EE) E estava obrigado a justificar perante Pastor Regional, as faltas dadas ao serviço, tendo que avisar com antecedência.
FF) Quando o autor tinha de ir ao médico devia igualmente informar o Pastor Regional dos motivos e, se eventualmente o autor não tivesse nenhum Pastor Auxiliar, era obrigado a transferir a consulta para outro dia.
GG) Em Setembro de 2000, a ré retirou ao autor a Igreja onde estava colocado.
HH) O que fez em virtude de o autor estar há cerca de dois meses em casa a recuperar de uma intervenção cirúrgica realizada em 25 de Julho.
II) O funeral do pai do autor não foi realizado segundo os rituais da ré.
JJ) O Bispo Auxiliar D por ordens do Bispo C despromoveu o autor de Pastor para Pastor Auxiliar.
LL) Os fiéis da associação ré que pretendem progredir na obra missionária daquela só se tornam “Pastores Auxiliares”, abandonando a vida civil, depois de manifestarem essa vontade ao “Pastor” da Igreja que frequentam e serem aceites pelo Presbitério Geral.
MM) Muitas vezes são colocados “Pastores Auxiliares” a liderar Igrejas mas só após algum tempo de intensa actividade missionária são reconhecidos como “Pastores”.
NN) O autor foi ordenado “Pastor”, em cerimónia de ordenação segundo os ritos professados pela ré.
OO) As prestações em dinheiro e em espécie feitas pela ré ao autor eram provenientes das dádivas dos fiéis.
PP) A ré contratou com a Servirigor, S.A. a gestão e administração de todos os seus locais de culto.
QQ) E possui dezenas de trabalhadores com contratos de
trabalho.
RR) São os próprios fiéis que procedem à limpeza e arrumação dos locais de culto.
SS) As orientações dadas por “Pastores” e “Bispos” são sempre de acordo com o calendário espiritual da associação ré, com as sagradas escrituras com as necessidades das populações locais.
TT) A prestação no autor foi sempre feita nos moldes referidos na declaração especificada na Alínea P).
UU) Na época em que o autor assinou a declaração especificada na Alínea P), a Comunicação Social referia que a ré estava em investigação judicial.
3. Fundamentação de direito.Em debate está a questão de saber se o vínculo jurídico que ligou o Autor e a Ré, desde 1992 e até 2 de Fevereiro de 2001 – data em que o Autor, por sua iniciativa, informou a ré de que pretendia abandonar a sua actividade -, se caracteriza como trabalho subordinado e origina, consequentemente, o reconhecimento do direito a férias e do pagamento de férias, subsídio de férias e de Natal, nos termos legalmente previstos.Nas decisões das instâncias já repetidamente se enunciaram os critérios de qualificação do contrato de trabalho e os índices a que cumpre recorrer em caso de não comprovação directa de uma situação de subordinação jurídica e esses aspectos não suscitam qualquer tipo de divergência.No entanto, acabaram por concluir em sentidos diametralmente opostos.A sentença de primeira instância deu particular relevo ao facto de a ré ser uma associação religiosa que tem por objecto a realização de cultos religiosos e obras de acção social, e possuir uma estrutura assente numa ordem ministerial, composta por Bispos, Pastores Titulares e Pastores Auxiliares, vindo a desvalorizar, nesse conspecto, certos factores que normalmente seriam indiciários da existência de uma relação jurídica de trabalho subordinado, como é o caso da determinação do local e até do horário de trabalho, que se considerou serem compatíveis com a actividade desenvolvida pelo autor como ministro de culto. E, no tocante às atribuições monetárias e em espécie efectuadas pela ré, a sentença considerou não constituírem uma contrapartida do seu labor pastoral, mas meros contributos de subsistência, que eram retirados das dádivas dos fiéis. Neste circunstancialismo, o juiz inclinou-se a qualificar a obrigação assumida pelo autor como uma obrigação de resultado, e não uma obrigação de facere que se encontrasse subordinada ao regime específico do contrato de trabalho.Ao contrário, a Relação atendeu objectivamente aos numerosos indices de subordinação que se encontram patenteados nos autos, como seja o pagamento regular de uma remuneração e a sujeição ao regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem, e deu ainda destaque ao funcionamento empresarial da ré, com avaliação da actividade dos ministros de culto em função de resultados económicos, para concluir pela existência de uma relação laboral que implicava a sujeição às ordens e fiscalização da ré.Quid juris?Como foi já suficientemente esclarecido pelas instâncias, o que avulta no enunciado definitório do contrato de trabalho, que consta do artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), é a ideia de subordinação jurídica, que dimana do facto de o trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador. No entanto, a subordinação é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características, de tal modo que ela é configurável, perante uma situação concreta, não através de um juízo subsuntivo ou de correspondência unívoca, mas mediante um mero juízo de aproximação, a partir da recolha e identificação de vários indícios externos (MONTEIRO FERNANDES (Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, pág. 142; neste sentido, também, entre muitos, os acórdãos 22 de Fevereiro e de 26 de Setembro de 2001, nos Processos n.ºs 3109/00 e 1809/01).No elenco dos indícios de subordinação é geralmente dado importante relevo ao “momento organizatório” da subordinação, ou seja, às condições em que se encontra organizada a actividade laboral no âmbito do contrato: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo da prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição e à propriedade dos instrumentos de trabalho. E são, por fim, referidos indícios de carácter formal, tal como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem (idem, pág. 143).Todavia, como se anotou, cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo de aproximação ou semelhança terá de ser formulado no contexto geral, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo, podendo suceder que cada um dos referidos índices assumam um sentido significante muito diverso de caso para caso.Ora, no caso vertente, como bem pondera o Exmo procurador-geral adjunto, estamos perante uma situação factual cujos contornos escapam ao conceito típico de subordinação jurídica, desde logo porque falta um elemento central a qualquer relação jurídica contratual que é o acordo de vontades, expresso ou tácito, no sentido de uma das partes se dispor a prestar a sua actividade, disponibilizando a sua força de trabalho, a favor da outra.Como resulta com suficiência dos autos, a ré é uma associação religiosa que tem por objecto a realização de cultos religiosos e obras de acção social, e que instituiu para a realização desses fins uma estrutura hierarquizada de ministros do culto, que são credenciados, de acordo com diversos níveis de responsabilidade, para a prática de determinados actos que se enquadram missionação e difusão da confissão professada.No caso, o autor passou a integrar a associação ré, em 1992, como “Pastor Auxiliar” e foi depois ordenado “Pastor” em cerimónia realizada segundo os ritos da confissão religiosa (ainda que mais tarde tenha vindo a retomar a sua anterior posição de “Pastor Auxiliar”) e subscreveu a declaração transcrita na alínea P) da matéria de facto, em que afirma que se tornou pastor da B “por livre deliberação e espontânea vontade”, que “essa actividade continuará a ser desenvolvida sem visar qualquer vantagem de ordem financeira”, por se tratar “de actividade estritamente religiosa, voltada para os fiéis da B” e que o único compromisso que a Igreja assumiu para com ele foi de orientar a sua actividade pastoral.Neste enquadramento, parece claro que o autor não teve qualquer propósito de celebrar com a ré um contrato de trabalho, mas antes de associar-se à ré para prestar a sua actividade de ministro do culto, e assim colaborar na realização dos fins religiosos e de assistência e beneficiência que a confissão religiosa elegeu como objecto da sua acção.Os diversos elementos que segundo critérios de normalidade poderiam apontar para a existência de uma relação jurídica de trabalho subordinado, fazendo prevalecer essa qualificação sobre modalidades de contrato afins, como seja o contrato de prestação de serviços, não têm, neste contexto, um qualquer valor indicativo, pela linear razão de que o vínculo que as partes quiseram instituir entre si, pela sua própria natureza, exclui qualquer ligação de tipo contratual.Conforme decorre da recente Lei de Liberdade Religiosa, aprovada pela Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho, cujos princípios gerais têm plena aplicação ao caso, “ministros do culto são as pessoas como tais consideradas segundo as normas da respectiva igreja ou comunidade religiosa” e a respectiva qualidade “é certificada pelos órgãos competentes da respectiva igreja ou comunidade religiosa, que igualmente credenciam os respec­tivos ministros para a prática de actos determinados” (artigo 15º, n.ºs 1 e 2). Por outro lado, “o exercício do ministério é considerado actividade profissional do ministro do culto quando lhe proporciona meios de sustento” e estes “têm direito às prestações do sistema de segurança social nos termos da lei, sendo obrigatoriamente inscritos pela igreja ou comunidade religiosa a que pertençam, salvo se exercerem por forma secundária a actividade religiosa e o exercício da actividade principal não religiosa determinar a inscrição obrigatória num regime de segurança social” (artigo 16º, n.ºs 3 e 4).Comprovando-se que o autor era ministro do culto de uma associação religiosa, a circunstância de ter havido lugar ao pagamento de uma remuneração pela actividade exercida e às deduções para o regime de segurança social, não pode ser invocada para qualificar como contrato de trabalho a relação existente entre partes, quando é certo que esses são requisitos que a própria lei aceita como sendo inerentes à função religiosa e ao exercício dos actos de culto.Os elementos normalmente indicativos de dependência jurídica não são, pois, mais do que emanações de um regime estatutário que é definido pela comunidade religiosa e é aceite por quem pretende exercer o ministério de acordo com os fins religiosos que lhes são propostos pela respectiva confissão.Não havia, assim, motivo para alterar o julgado em primeira instância.4. DecisãoTermos em que acordam em conceder a revista, revogar a decisão recorrida, e manter a decisão de primeira instância.Custas pelo recorrido.Lisboa, de 16 Junho de 2004
Fernandes Cadilha
Mário Pereira
Salreta Pereira

Disponível: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e7fd3a0f3430be5580256ec90051684a?OpenDocument&Highlight=0,pastor,e,igreja – Acesso: 12.01.2013