Gilberto Garcia*
Tivemos a satisfação de conceder uma entrevista para a Revista Defesa da Fé, que foi publicada no número 75, e como esta se restringe a seus assinantes compartilharmos em duas partes, sendo esta a primeira, para acesso de nossos leitores.
“Como a revolução dos direitos civis na sociedade moderna, mudaram a religião?
Especialmente a partir dos anos 80, vem ocorrendo um despertamento da consciência do cidadão, relativo a garantia do respeito aos seus direitos civis, denominado pelo sociólogo Italiano Noberto Bobbio de “A Era dos Direitos”. Em nível internacional, a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, aprovada em 1948 pela ONU, e em nível nacional, a Constituição Federal de 1988, que deram efetividade a exigência de cobrança do respeito a esses direitos civis. Nesta visão, o exercício destes direitos pelos cidadãos, independente de sua crença, afetaram e mudaram de forma contundente a expressão religiosa, como por exemplo a igualdade perante a lei de qualquer vertente religiosa, que é um direito de todos, com equiparação de qualquer grupo religioso, seja ele católico, evangélico, judeu, muçulmano, espírita, oriental etc, bem como a garantia para que os ateus, agnósticos, humanistas etc, possam professar sua incredulidade em qualquer divindade.
Vivemos numa sociedade extremamente religiosa. Como o estado laico enfrenta isso na manutenção da ordem?
Por sua formação multirracial o Brasil tem um povo voltado para o misticismo, sendo um campo livre para que diversos grupos religiosos propaguem suas crenças, inclusive os evangélicos, e o estado brasileiro, que desde 1891, em função da Constituição Republicana, é laico, ou seja, nas suas diversas representações, em nível municipal, estadual ou federal, esta proibido de professar, apoiar ou financiar qualquer tipo de fé, sendo esta a garantia constitucional da igualdade religiosa, tendo este Estado o papel institucional de assegurar a expressão de fé do povo, seja qual for, dentro dos limites da lei. Qualquer excesso que fira direitos do cidadão, seja ele religioso ou não, ou transgrida preceitos estabelecidos pela sociedade civil organizada, serão passíveis de exame pelo judiciário pátrio, em função da existência do Estado Democrático de Direito, inaugurado com a Carta Magna de 1988.
Quais as influências cristãs em nossa legislação ocidental e especialmente a brasileira?
Temos a questão da mulher, quando, pelo cristianismo, foi elevada à condição de pessoa. Antes, era tida como patrimônio do homem (Mt 19.3-10; 1Co 7.3; 1Co 11.11). O direito constitucional, que assegura o direito à vida, sendo crime o aborto. O direito penal, que é proibida a tortura (Ef 6.9). A atuação do direito civil, que pressupõe igualdade entre os cidadãos perante a lei (Ef 2.14; Gl 3.28). O direito do trabalho, que sustenta que “digno é o obreiro de seu salário” (1Tm 5.18). O direito de família, que, em sua perspectiva cristã, diz que a mulher “é vaso mais frágil” (I Ped. 3:7). Na cobrança dos tributos, em relação ao Estado (Mt 22.17-21), conforme orientação de Jesus. Estas proposições cristãs foram, ao longo da história, sendo incorporadas a pelos diversos parlamentos.
Como entender um texto bíblico como o de 1º Coríntios 6.1-8, dentro de uma sociedade como a nossa?
O apóstolo Paulo alerta sobre a impropriedade de levar aos tribunais do mundo os irmãos em Cristo. O ideal seria diferente. Contudo o próprio apostolo ao reconhecer nossas limitações, esclarece, em Romanos 13:3-4, que os magistrados são instrumentos da justiça de Deus. Por isso, a sociedade civil organizada, para resguardo de todos os cidadãos, instituiu um sistema jurídico para que os conflitos sejam satisfatoriamente resolvidos, com base no Estado Democrático de Direito. A Igreja tem contribuído na formação de bons crentes, mas também precisa contribuir decisivamente, para a formação de bons cidadãos, que tenham uma perspectiva de ética cristã, no seu dia a dia, enquanto profissionais que cumprem os negócios que contratam, atentando para seus deveres para com a sociedade em geral”.
Brindamos assim nossos leitores do Portal Folha Gospel com a primeira parte do texto publicado, o qual contém uma visão multifacetada da realidade evangélica brasileira nas questões legais.
*Gilberto Garcia é Advogado, Pós-Graduado, Mestre em Direito. Especialista em Direito Religioso, Professor Universitário, Conselheiro Estadual da OAB/RJ: 2007/2009, e, Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros. Autor dos Livros: “O Novo Código Civil e as Igrejas” (2003) e “O Direito Nosso de Cada Dia” (2004), Editora Vida, e, “Novo Direito Associativo” (2007), e, ainda Co-Autor na Obra Coletiva: “Questões Controvertidas – Parte Geral do Código Civil” (2007), Editora Método, além do DVD – “Implicações Tributárias das Igrejas” (2008), Editora CPAD. Site: www.direitonosso.com.br