Homofobia Um Pecado Pós-Moderno

Como guarda flanco do casamento homossexual está a acusação de homofobia, ou preconceito homofóbico, invariavelmente dirigida a todos quantos dele discordem. Nisso ele cumpre a mesma função que os conceitos de herege, apóstata e cismático desempenhavam no catolicismo medieval, orientados para apelar à fúria da multidão.

Ainda assim, trata-se de um conceito vago e de contornos intencionalmente enigmáticos, na linha do vocabulário pós-moderno e politicamente correto a que já nos vimos habituando. Concebido para proteger a ortodoxia e a ortopraxis homossexual, e para prevenir a profissão de ideias consideradas não politicamente corretas, o mesmo é frequentemente definido com um alcance tão amplo quanto possível.

A homofobia é descrita como repugnância ou aversão irracional, irreprimível, odiosa e preconceituosa relativamente a gays, lésbicas e homossexuais, baseada no estereótipo, na hostilidade ou no medo, definição deliberadamente compósita de forma a estigmatizar à partida quem não partilhe das ideias dos autores do conceito.

Além disso, a homofobia é frequentemente apresentada como o resultado da indefinição da identidade sexual, ignorando o dado óbvio de que todos os indivíduos são o resultado de uma união heterossexual monogâmica. Do mesmo modo, a homofobia é frequentemente conotada com causas religiosas e culturais, de forma a qualificar como homófobos os membros das diferentes confissões religiosas, católica, protestantes, islâmica, judaica, etc., procurando desse forma descrever como anómalas conceções individuais e sociais acerca da família e a sexualidade.

Com este alcance, o conceito de homofobia pretende entrar subtilmente no confronto entre diferentes visões do mundo pela via da negação desse mesmo confronto, e dos direitos fundamentais que o estruturam e possibilitam, e da promoção dogmática da visão do mundo homossexual.

Com esta pluralidade de sentidos, trata-se de um conceito expansivo de ampla fragmentação, concebido com o intuito de espalhar os seus estilhaços em todas as direções. O mesmo afigura-se altamente plástico e flexível, de forma a poder ser utilizado em vários cenários de guerra ideológica. No entanto, apesar do engenho argumentativo nele investido, existem vários problemas com este conceito.

Em primeiro lugar, longe de ser um conceito imparcial e neutro, ele é uma intrusão ideológica a partir das pretensões criadas e promovidas pelo próprio movimento homossexual. A aceitação da validade do conceito de homofobia supõe a prévia aceitação da visão do mundo, do ser humano, da sexualidade e da família dos defensores da ideologia homossexual. Por outras palavras, a homofobia só será uma atitude moralmente errada para quem primeiro considerar que as pretensões do movimento homossexual são moralmente corretas.

Trata-se de um conceito ideologicamente interessado que exprime um juízo em causa própria. O problema é que este movimento se apoia na premissa (que considera ser verdadeira) de que não existem verdades morais objetivas e absolutas, o que imediatamente mina as suas próprias pretensões de universalidade e transforma a sua posição num ponto de vista subjetivo tanto ou tão pouco digno de crédito como qualquer outro. É precisamente para servir os propósitos ideológicos para que foi desenhado, o conceito de homofobia é demasiado vago e manipulável, tendo sido desenhado com o animus de hostilizar e estigmatizar todos os que se afastam da visão do mundo, do homem e da sexualidade proposto pelo movimento homossexual.

Em segundo lugar, ele confunde deliberadamente uma avaliação negativa da conduta homossexual e formulação de juízos críticos da mesma com ódio e inimizade para com os homossexuais individualmente considerados, partindo do pressuposto de que a avaliação negativa da conduta homossexual é em si mesma o resultado de uma repulsa arbitrária e irracional, de ódio, malícia ou inimizade.

Esse pressuposto e as conclusões que dele se deduzem, são absurdos. Sempre que alguém, honestamente convencido de que a posição que defende é verdadeira e correta – seja ela de natureza política, económica, científica, religiosa ou moral – procura levar outrem a abandonar a posição contrária, ambos participam da razão de ser e do núcleo essencial da liberdade de pensamento, de opinião e de discussão. Neste mesmo sentido, já John Locke salientava que “se um homem, como amigo sincero da pessoa e da verdade, trabalhar para trazer outro para fora do erro, não pode haver nada mais belo, nem mais benéfico”.

Sucede, além disso, que muitas das condutas que o direito regula e limita (v.g. pornografia, prostituição, drogas, tabaco) não são necessariamente repugnantes para um conjunto significativo ou até para a maioria da população. Pelo contrário, essa regulação pode ser o resultado, não de uma repulsa irracional e arbitrária, mas de uma atração porventura excessiva, porque também irracional e arbitrária, sendo por isso necessária uma posterior avaliação crítica e racional da sociedade para levar o direito a considerá-las, em derradeira instância, individual e socialmente indesejáveis.

A economia comportamental (behavioral economics) tem posto em evidência o modo como os indivíduos e as sociedades podem ter propensões para a adoção de comportamentos irracionais, autodestrutivos e antissociais, podendo o Estado intervir para as contrariar e atenuar os seus efeitos negativos. Quando estiver em causa a regulação das condutas individuais e coletivas que produzam consequências morais e sociais, a curto, médio e longo prazo, a existência de fobias ou filias é irrelevante. O que realmente interessa é a universalidade dos dados biológicos constitutivos de cada indivíduo e as consequências morais e sociais das diferentes condutas humanas.

Em terceiro lugar, o conceito de homofobia, ao menos nalgumas formulações, parece supor que quem avalia negativamente a conduta homossexual é uma pessoa sexualmente confusa, perversa e incapaz de se autodeterminar racional, moral e sexualmente. Com este sentido, ele é até perigosamente totalitário, hostil ao livre exercício da liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Isto, apesar de ele assentar num juízo em causa própria, destituído de qualquer neutralidade ideológica ou científica, tendo sido criado pelos membros do movimento homossexual para estigmatizar todos os que dele discordam.

Sucede que a razão pela qual o casamento de duas pessoas de ambos os sexos deve ser dignificado e promovido nada tem de subjetivo, arbitrário ou malicioso. Ela não revela qualquer confusão, perversão ou irracionalidade. Ela assenta simplesmente na observação biológica e antropológica objetiva e universal de que o género humano e de cada indivíduo estão estruturados com base na complementaridade dos dois sexos. O facto de se tratar de um dado biológico, intemporal e universal, válido independentemente da geografia, da história ou da cultura, confere-lhe um conteúdo inerentemente lógico e racional.

Todos os indivíduos, independentemente de etnia, cor da pele, nacionalidade, condição económica, religião, ideologia ou atração sexual são o resultado da união de um homem e de uma mulher, incluindo todos os membros do movimento LGBT. Ao dignificarmos a união entre um homem e uma mulher não estamos a discriminar ou a degradar ninguém. Pelo contrário, estamos a dignificar todos os indivíduos, na medida em que todos, sem exceção, resultam dessa união. Não estamos a impor um critério maioritário à minoria, ou a impor uma ideia religiosa aos não religiosos. Estamos apenas a aplicar um critério universal e intemporal, válido para todos em igual medida.

Ou seja, não existe nada de irracional ou arbitrário na ideia de que a união entre um homem e uma mulher pode e deve ser promovida e protegida pelo direito. Dessa união resultam os critérios qualitativos (homem e mulher) e quantitativos (dois) que conformam positiva e logicamente casamento. Esta razão biológica e antropológica, tão universal como as leis racionais da matemática e da lógica, não é preconceituosa, como se alega. Quando muito, ela pode ser descrita como pré-conceitual, o que é algo completamente diferente, com o sentido de que antes mesmo de um qualquer indivíduo poder pensar o conceito de casamento, já a união de um homem e uma mulher foi necessária à sua própria existência e capacidade de gerar conceitos.

Em quarto lugar, o conceito de homofobia acaba por trazer em si elementos de autocontradição e autorrefutação. Ao mesmo tempo que o movimento homossexual se insurge contra a existência de padrões morais objetivos, tal como pressuposto pelas principais visões do mundo religiosas, ele ataca a defesa do padrão heterossexual monogâmico, estruturante do género humano e de cada indivíduo em concreto, como se fosse algo de moral e objetivamente errado. No entanto, ele não justifica nem fornece um qualquer padrão consistente de igual dignidade. Tem que ir pedir emprestados estes conceitos à visão do mundo judaico-cristã, para logo alterar o seu sentido e alcance.

O conceito de homofobia é destituído de plausibilidade mesmo do ponto de vista daqueles que acreditam na teoria da evolução das espécies, de micróbios para microbiologistas, a partir de genes egoístas, porque esta teoria, operando com base na sobrevivência dos mais aptos, aponta claramente para o favorecimento de uniões atual ou potencialmente reprodutivas e mesmo daquelas mais reprodutivas.

Não tendo qualquer fundamento teológico, moral ou biológico sólido, o conceito de homofobia é subjetivo e arbitrário, destituído de qualquer pretensão de normatividade e universalidade. É hoje muito fácil inventar fobias de toda a espécie, falando alguns em xenofobia, homofobia, islamofobia, polifobia, zoofobia, etc. O objetivo subjacente a esta estratégia discursiva consiste em estigmatizar os adversários ideológicos e impedir a discussão racional dos temas e problemas, especialmente os mais controvertidos.

Destituído de substância, o conceito de homofobia pode facilmente ser virado contra aqueles que o utilizam. Desde logo, pode-se legitimamente sustentar, pela mesma lógica, que a própria acusação de homofobia é em si mesma uma manifestação de ódio ontofóbico, biofóbico, heterofóbico ou mesmo teofóbico.

Além disso, considerando que todos somos naturalmente o resultado de um espermatozoide masculino e de um óvulo feminino e herdamos cromossomas de um pai e de uma mãe, sendo por isso estruturalmente heterossexuais (mesmo os homossexuais), a homofobia também pode ser legitimamente descrita como uma propensão genética e estrutural do ser humano, pelo que, dentro da mesma lógica, teria inteira legitimidade para reclamar respeito e igualdade para si mesma. O conceito de homofobia é claramente inconsistente e autofágico.

Ainda assim, a despeito das suas fragilidades, a acusação de homofobia ainda consegue intimidar alguns incautos e acríticos pela veemência com que é formulada, beneficiando até de um certo efeito surpresa. É evidente que o conceito de homofobia não se apoia em nenhuma pretensão de transcendência ou objetividade moral, não passando por isso de uma construção retórica, de um ponto de vista de procedência subjetiva e arbitrária, com objetivos estritamente ideológicos e polémicos.

Ele não se baseia em nenhum código ético devidamente identificado e justificado, do ponto de vista histórico, religioso ou filosófico, não tendo qualquer substância e sustentação do ponto de vista judaico-cristão, ou da generalidade das religiões do mundo e de muitas ideologias secularizadas, em que existe uma clara preferência pela relação entre homens e mulheres, porque destas depende a continuidade do género humano e a estrutura de cada indivíduo em concreto.

Ou seja, a acusação de homofobia não passa da invocação de uma espécie de “pecado pós-moderno” sem qualquer substância teológica, biológica, antropológica, lógica e moral, e ainda por cima com potencialidades auto-contraditórias. Ela faz lembrar o modo como a Igreja Católica medieval estigmatizava os opositores, mesmo que abertamente cristãos, chamando-lhes hereges, apóstatas e cismáticos, apelando ao efeito de histeria irracional e furtando-se ao desafio de discutir com eles.

Jónatas E.M. Machado

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra