Evangelização e o judiciário

Dr. Gilberto Garcia*

Por sua formação multirracial o Brasil tem um povo voltado para o misticismo, sendo um campo livre para que diversos grupos religiosos propaguem suas crenças, inclusive os evangélicos, e o Estado brasileiro, que desde 1891, em função da Constituição Republicana, é laico, ou seja, nas suas diversas representações, em nível municipal, estadual ou federal, ou dos poderes da república: executivo, legislativo e judiciário, são vedados de professar, apoiar, financiar ou proibir, qualquer tipo de manifestação de fé, sendo esta a garantia constitucional da igualdade religiosa, tendo este estado o papel institucional de assegurar a expressão de religiosidade do povo, seja qual for, dentro dos limites da lei.

A Igreja Evangélica, na condição de pessoa jurídica de direito privado, Organização Religiosa, como disciplinado no Código Civil brasileiro, bem como qualquer Grupo Religioso tem todo o direito a liberdade de crença, e, portanto, ao exercício de sua fé, desde que a metodologia não fira o prisma da dignidade da pessoa humana, bem como, não coloque em risco os direitos civis do cristão, que é “cidadão da pátria celeste”, mas ainda é “cidadão da pátria terrestre”.

Por isso, em que pese estar resguardada pelas normas jurídicas instituídas pela sociedade civil, a Igreja, como qualquer outra Organização Associativa, também esta submetida ao exame da legalidade de seus atos pelo Poder Judiciário, e aí vemos os juizes, em nome da sociedade civil, ao serem provocados pelos interessados, intervindo em questões, nas quais não só podem, como devem agir para restabelecer o equilíbrio das relações sociais, coibindo os excessos, ou mesmo abusos no exercício de direitos, com base ordenamento jurídico brasileiro, ainda que envolvendo Organizações Religiosas.

Esta intervenção, exatamente pela laicidade do estado brasileiro, como contido na proposição bíblica da separação da Igreja e do Estado, “Dar a César o que de César e a Deus o que de Deus”, assegurada constitucionalmente, não pode ocorrer em questões de religiosidade, espiritualidade ou de fé, entretanto no que tange a aspectos estatutários, associativos, tributários, trabalhistas, administrativos, penais, financeiros etc, as Igrejas, de qualquer confissão religiosa, estão submissas ao ordenamento jurídico nacional, portanto nas questões civis adstritas ao judiciário pátrio.

Por isso é vital que a Igreja, inclusive em sua atuação evangelizadora, tenha as devidas cautelas legais quando for expressar sua fé, em respeito às leis que regem a sociedade civil, elaboradas através de seus representantes, eis que, graças a Deus não vivemos e não queremos viver em um estado fundamentalista, onde um Grupo Religioso, qualquer seja ele determine, por suas conveniências espirituais, os comportamentos sociais dos cidadãos.

Registre-se que estamos acompanhando atualmente uma grande discussão nas grandes cidades, especialmente Rio e São Paulo, que é: “Até onde vai o direito de alguns irmãos pregarem o evangelho nos trens, metros e barcas etc?”, “Será que os passageiros são obrigados a receberem as “boas novas” , numa situação onde eles não tem a opção de não querer ouvir ?”.

Já existem grupos sociais questionando se esta liberdade de pregação do cristão, não se choca com o exercício de privacidade do cidadão, e caberá ao judiciário, “dizer do direito”, podendo ser interpretado, por um lado, como cerceamento a pregação, e por outro lado, como exacerbação da liberdade religiosa, em detrimento do direito à privacidade do cidadão.

Conceda o Senhor sabedoria aos nossos juizes é minha oração, no cumprimento de sua missão bíblica no estabelecimento da “possível paz social”, para a resolução deste e de outros casos, enquanto instrumentos da justiça de Deus, Romanos 13:3-4.

Nossa sociedade, para resguardo de todos os cidadãos, instituiu um sistema jurídico para que os conflitos sejam satisfatoriamente resolvidos, com base no Estado Democrático de Direito, que é o primado da lei para todos os cidadãos, e aí a Igreja que tem contribuído na formação de bons crentes, também precisa contribuir decisivamente para a formação de bons cidadãos, para que os homens vejam nossas boas obras e glorifiquem a nosso Pai que está nos céus, e aí muitos sejam, pelo Espirito Santo, atraídos ao evangelho de Cristo, eis que os servos de Deus, também são exemplos dos fiéis nos cumprimento das Leis de César.

“Bem aventurados os que observam o direito, que praticam a justiça em todos os tempos.” Salmo. 106:3

Gilberto Garcia é advogado, pós-graduado e mestre em direito. Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio de Janeiro. Autor dos livros: “O Novo Código Civil e as Igrejas” e “O Direito Nosso de Cada Dia”, Editora Vida. Site: www.direitonosso.com.br