Aspecto religioso da viagem de Pedro Álvares Cabral
Portugal — Cronologia
1467 ou 1468 — Nasce em Belmonte, norte de Portugal, o segundo filho de Fernão Álvares e Isabel Gouveia. Chama-se Pedro Álvares Cabral.
1500 (15 de fevereiro) — Dom Manuel I, rei de Portugal, nomeia Cabral para ser o capitão-mor da armada que ele pretende enviar à Índia. Cabral foi educado na corte de Dom João II.
1500 (8 de março, domingo) — Realiza-se, na pequena capela da Ermita de São Jerônimo, à margem do rio Tejo, em Lisboa, a cerimônia religiosa que entrega aos cuidados de Deus a expedição de Pedro Álvares Cabral, com a presença do rei Dom Manuel I e sua corte, dos banqueiros que estão financiando grande parte do empreendimento e dos capitães da frota. Depois do sermão, Dom Diogo Ortiz, bispo de Ceuta, benze a bandeira da Ordem de Cristo, passando-a em seguida para o rei e este, para Cabral.
1500 (9 de março) — Sob o comando de Pedro Álvares Cabral, cavaleiro da Ordem de Cristo, solteiro, 33 anos, dez naus e três caravelas, transportando cerca de 1.350 homens, levantam âncoras e partem para a Índia pelo caminho descoberto por Vasco da Gama. Entre os passageiros estão alguns degredados, oito frades franciscanos, um vigário e oito capelães.
1500 (23 de março) — A nau comandada por Vasco de Ataíde, com 150 homens a bordo, desaparece na altura de Cabo Verde.
1500 (22 de abril) — Depois de 44 dias de navegação, a armada de Cabral ancora em frente ao Monte Pascoal, numa terra totalmente desconhecida até então, a que dão o nome de Ilha de Vera Cruz.
1500 (26 de abril, domingo) — Celebra-se em terra firme, no ilhéu da Coroa Vermelha (município de Cabrália, BA), a primeira missa em território brasileiro. O celebrante é o frei Dom Henrique Soares de Coimbra, que havia abandonado a toga de desembargador da Casa de Suplicação de Lisboa para entrar como noviço no convento de Alenquer. Os outros religiosos (dezesseis ao todo) ajudam na celebração. Cabral participa da cerimônia carregando consigo a bandeira de Cristo.
1500 (27 de abril) — João Faras, mais conhecido por Mestre João, médico e astrônomo da armada, desce à terra pela primeira vez (pois tinha estado doente) e, à noite, batiza de Cruzeiro do Sul a constelação cujas estrelas principais formam o desenho de uma cruz.
1500 (1º de maio, sexta-feira) — Celebra-se a segunda missa, ao pé de uma cruz fincada em lugar apropriado. Mais de mil portugueses e cerca de 150 nativos seguem em procissão até o local designado, tendo à frente os estandartes da Ordem de Cristo. De cima de uma cadeira, frei Henrique de Coimbra prega o evangelho e fala sobre a missão “tão santa e virtuosa” que todos estão desempenhando. De volta à nau-capitânia, o contador Pero Vaz de Caminha escreve uma longa carta a Dom Manuel e pede que ele não demore a enviar missionários para ministrarem aos indígenas.
1500 (2 de maio) — A frota de Pedro Álvares Cabral deixa o litoral da Bahia e prossegue sua viagem rumo à Índia. Apenas a nau capitaneada por Gaspar de Lemos não o acompanha. Agora a missão dela é levar para o rei Dom Manuel I a auspiciosa notícia da descoberta da Ilha de Vera Cruz, muitas amostras da terra (arcos, flechas, cocares, badoques, cravas, toras de pau-brasil etc.), um índio tupiniquim e dezenas de cartas para o rei e para os familiares da tripulação, inclusive as cartas do escrivão Gonçalo Gil Barbosa, de Mestre João e de Pero Vaz de Caminha. Em terra ficam os degredados e os desertores. Os degredados choram tão alto, que os indígenas se comovem e começam a chorar com eles.
1500 (23 de maio) — Quatro navios da esquadra de Pedro Álvares Cabral naufragam na altura do Cabo da Boa Esperança. Perdem-se 380 homens (28% do contingente que saiu de Lisboa dois meses e meio antes).
1500 (13 de setembro) — Seis meses e quatro dias após deixar Lisboa, Pedro Álvares Cabral desembarca em Calicute, no sul da Índia. Para surpresa geral, descobre a existência de alguns cristãos conhecidos como “cristãos de São Tomé”. (Ver Missões cristãs, de Stephen Neill, p. 146.)
1500 (16 de dezembro) — Cerca de 300 árabes e hindus atacam a feitoria portuguesa de Calicute. Entre os cinqüenta portugueses mortos estão Pero Vaz de Caminha e seis franciscanos. Cabral leva consigo um dos “cristãos de São Tomé”, chamado José, o indiano.
1501 (16 de janeiro) — Pedro Álvares Cabral inicia sua viagem de volta a Portugal. São apenas cinco navios, já que a nau de Sancho Tovar foi incendiada por ter encalhado num banco de areia na altura do Quênia, na costa ocidental da África.
1501 (21 de junho) — Pedro Álvares Cabral chega a Lisboa. O rei D. Manuel o recebe em seu palácio de verão e atribui a descoberta do Brasil a “um milagre de Nosso Senhor”, pois “a nova terra é mui conveniente e necessária à navegação da Índia”.
1503 — Aos 35 ou 36 anos, Cabral casa-se com D. Isabel de Castro, mulher riquíssima, neta dos reis Dom Fernando de Portugal e Dom Henrique de Castela, e sobrinha de Afonso de Albuquerque, o mais famoso conquistador e administrador colonial português do século XVI.
1520 ? — Esquecido de todos e sem conhecer as proporções e a importância da terra que descobrira, Pedro Álvares Cabral morre aos 52 ou 53 anos, em Santarém, às margens do rio Tejo, não muito longe de Lisboa. A essa altura, Lutero já tinha dado início à Reforma Protestante, ao afixar na Catedral de Wittemberg as Noventa e cinco teses (31 de outubro de 1517).
Fonte principal: A viagem do descobrimento, de Eduardo Bueno (Editora Objetiva, 1998).
Portugal não está mais na cauda dos países europeus
Entrevista com José António da Rosa Dias Bravo
Quando o jovem José António se formou em Direito, só havia oito universitários evangélicos em Portugal e alguns poucos profissionais liberais. Hoje há mais de mil evangélicos nas universidades portuguesas e um grande número de profissionais. Um deles é o próprio José António da Rosa Dias Bravo, que ocupa uma da mais altas funções no país: além de ser juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e presidente da Comissão de Fiscalização do Centro de Dados dos Serviços de Informações, Dias Bravo é vice-procurador-geral da República há mais de 14 anos. Evangélico vibrante, membro da Igreja dos Irmãos (Casa de Oração, no Brasil), o respeitável advogado foi também, até junho do ano passado, presidente da Aliança Evangélica Portuguesa, organizada em novembro de 1921. O maior trunfo do Dr. Dias Bravo aconteceu em janeiro de 1997, por ocasião da comemoração do 75º aniversário da Aliança, quando, pela primeira vez na história de Portugal, a maior autoridade do país participou de uma cerimônia evangélica: ali no auditório da Aula Magna da Universidade Clássica de Lisboa estavam o presidente da República, Jorge Sampaio, o ministro da Justiça, Vera Jardim e o procurador-geral da República, Cunha Rodrigues. A presente entrevista teve início em Lisboa e terminou via internet.
Ultimato — Como estão as relações entre Brasil e Portugal?
Bravo — As relações entre Portugal e Brasil são hoje, como sempre, de grande fraternidade e solidariedade, como é natural entre dois irmãos que, embora tendo alguns desaguisados e desencontros ocasionais, vivem de mãos dadas com os olhos postos no futuro. Até mesmo nas áreas econômica e financeira existe entre Portugal e Brasil franca e frutuosa cooperação, servindo de esteio para as duas Comunidades Econômicas a que pertencem, a Européia e a da América do Sul.
Ultimato — O que incomoda mais: as novelas brasileiras ou os dentistas brasileiros?
Bravo — Em termos de grande público, diria que nem as telenovelas nem os cirurgiões-dentistas (assim designados por acordo luso-brasileiro) incomodam. As telenovelas tiveram o mérito de dar a conhecer não só a linguagem como os costumes, demais que se iniciaram por uma grande obra literária brasileira: Gabriela, cravo e canela. Hoje em dia, todavia, já causa preocupação a grande profusão de telenovelas, de diferentes nacionalidades, em razão do enorme conteúdo de subvalores que pretendem difundir. Em termos cristãos e evangélicos, são profundamente negativas muitas das telenovelas pela mensagem de natureza espírita que visam comunicar. Os cirurgiões-dentistas revelaram-se, na sua maioria, excelentes profissionais, sendo acarinhados e procurados.
Ultimato — Logo após a independência das ex-colônias portuguesas na África, havia um milhão de retornados e outro milhão de refugiados em Portugal, mais de 20% da população. Como o Governo absorveu esse excedente de uma hora para outra?
Bravo — Se é certo que a absorção dos retornados e refugiados trouxe grandes problemas de integração na sociedade portuguesa, já pelo seu elevado número, já pelos traumas que carregavam, em razão de uma descolonização apressada e, muitas vezes, sem salvaguarda dos interesses de Portugal e dos portugueses, também é certo que a sua excelente adaptação e integração, até porque na sua quase totalidade era gente de trabalho e ação, contribuiu para o desenvolvimento de novas atividades e interesses econômicos, tanto mais que a nova política passou a estar virada para a Europa, culminando com a entrada para a União Européia.
Ultimato — A imagem de Portugal como um dos países mais pobres da Europa acabou? Bravo — Ainda se está em pleno desenvolvimento de um processo político, social, econômico e cultural que há-de levar Potugal a emparceirar com os demais países da Europa de nível superior. Direi, todavia, que Portugal não está hoje na cauda dos países europeus, estando até com um desenvolvimento econômico superior ao da sua média.
Ultimato — Meio milênio depois das descobertas marítimas portuguesas, Portugal volta a se preocupar com os oceanos, como se viu na extraordinária EXPO 98. Portugal é dono dos oceanos?
Bravo — A EXPO 98 foi um êxito, revelando que os portugueses não têm que se envergonhar perante as realizações dos grandes países ricos e industrializados. Todavia, não poderemos ser utópicos em querer regressar à época dos descobrimentos. Aliás, não poderemos esquecer que o mundo é hoje a aldeia global, não havendo mais lugar para os donos dos mares, no sentido original da expressão.
Ultimato — Como o governo do primeiro ministro António Guterres vê os últimos acontecimentos na Indonésia? Timor alcançará a esperada independência?
Bravo — É um imperativo nacional que o povo de Timor alcance o senhorio do seu destino pela autodeterminação. Espera-se que, após estas convulsões iniciais, os diversos grupos sociais encontrem uma plataforma pacífica de convivência para chegarem à solução política desejável.
Ultimato — Com a passagem de Macau para a China neste ano, descendentes de portugueses e chineses de língua portuguesa eventualmente poderão emigrar para Portugal?
Bravo — Ainda que me pareça não ser de favorecer a emigração dos macaenses descendentes de portugueses e até dos chineses de língua portuguesa para que, em Macau, Portugal possa continuar a ter expressão sociológica e cultural, a verdade é que serão sempre acolhidos como irmãos aqueles que quiserem regressar.
Ultimato — Percentualmente falando, Portugal é um dos países mais católicos do mundo (94%) e ainda envia grande número de missionários para o além-mar. Qual é a sua avaliação deste potencial todo?
Bravo — Não creio que hoje em dia a percentagem de católicos atinja 94%. Aliás, é notório que o número de militantes católicos é bastante inferior, não chegando a alcançar cerca de 50%, havendo estatísticas que chegam a referir à volta de 35%. É também visível a crise de vocações para o sacerdócio ou missionação. A própria Concordata entre a Santa Sé e o Estado português encontra-se numa fase de balanceamento, por desatualizada e inconstitucional, sendo a própria Igreja Católica a apontar para a sua revisão.
Ultimato — A última estatística disponível diz que há mais de 300 missionários protestantes em Portugal (um para cada 30.700 portugueses). O país precisa desses missionários e mais alguns?
Bravo — Portugal, desde 1822 a 1974, teve apenas um período de cerca de 20 anos de liberdade religiosa. Muito embora as liberdades se tivessem instaurado, nos domínios da expressão, manifestação, reunião, sindical e político, a partir de 1974, nunca, na esfera religiosa ela foi alcançada na sua plenitude. Há, portanto, ainda, muita falta de esclarecimento sobre o conteúdo da mensagem cristã protestante ou evangélica, quer nos meios urbanos quer e sobretudo nos meios rurais. Daí a urgente necessidade de mais missionários que levem a mensagem de Jesus Cristo. Todavia, uma observação: estes missionários devem ser instruídos a criar obreiros nacionais, já que é com estes que se deve edificar o futuro.
Ultimato — O segundo maior grupo de missionários estrangeiros residentes em Portugal é formado de brasileiros, logo depois dos americanos e antes dos ingleses. O missionário brasileiro é bem-vindo?
Bravo — O missionário brasileiro é sempre bem-vindo, até pela facilidade de comunicação com o povo português em razão de falar a mesma língua. Aliás há uma grande tradição de missionários brasileiros em Portugal, que vem desde os tempos em que se iniciou o primeiro período de liberdade religiosa em Portugal, logo após a proclamação da Primeira República. Em período muito curto e bem recente, em razão da “praxis” da Igreja Universal do Reino de Deus e da reação da sua hierarquia, alguns missionários brasileiros vieram a ser hostilizados por serem confundidos com aquela Igreja, hostilização que cessou quando de uma intervenção da Aliança Evangélica Portuguesa.
Ultimato — Como o senhor vê o trabalho da Igreja Universal do Reino de Deus em Portugal?
Bravo — O trabalho da Igreja Universal do Reino de Deus reveste aspectos positivos e negativos em Portugal. De positivo, o dinamismo da mensagem de Jesus Cristo e o contribuir para a sociedade portuguesa conhecer o poder salvífico desta mensagem. De negativo, o acentuar dos aspectos econômicos e financeiros da teologia pregada, o utilizar de certas práticas mágico-sacramentais na liturgia, a concorrência desleal com a Aliança Evangélica Portuguesa, ficcionando uma federação e montando a sua sede em frente da sede da Aliança, o ataque pessoal a certas figuras desta Aliança, a criação, por via indireta, de um partido político, que se veio a revelar um total fracasso, por ter recebido apenas 8.074 (0,1%) votos de um eleitorado de quase 6 milhões.
Ultimato — A Igreja Universal, brasileira, e a Igreja Maná, portuguesa, têm algumas semelhanças entre si?
Bravo — Embora ambas tivessem visto recusadas a sua admissão na Aliança Evangélica Portuguesa, a verdade é que existem poucas semelhanças entre si na prática espiritual. De comum, a identidade de teologia da prosperidade e a centralização do governo da Igreja num indivíduo.
Ultimato — A Aliança Evangélica Portuguesa congrega todos os grupos protestantes de Portugal?
Bravo — A Aliança Evangélica Portuguesa congrega 90% da comunidade evangélica portuguesa, nela predominando as Assembléias de Deus, as Igrejas Batistas, as Igrejas dos Irmãos, a Igreja Congregacional, a Igreja do Nazareno, a Ação Bíblica para além de outras igrejas independentes. Diria que apenas ficam de fora as igrejas filiadas no Conselho Mundial de Igrejas: Lusitana, Metodista e Presbiteriana.
Ultimato — Como o senhor consegue conciliar a sua função de procurador da República com a posição de líder evangélico num país católico?
Bravo — Muito embora até 1974 este lugar de vice-procurador-geral da República fosse inacessível a um evangélico, uma vez que a religião tradicional do Estado era a católica-romana, o certo é que tenho vindo a exercer as minhas funções públicas com toda a liberdade funcional e o respeito dos meus concidadãos. Prova é que também desempenho adjuvantemente a função de presidente da Comissão de Fiscalização de Centros de Dados dos Serviços de Informações, de grande sensibilidade política.
O Mineiro com Cara de Matuto Vai a Portugal e comemora os 500 anos da viagem de Vasco da Gama
Terrorismo
Foram 3 horas e 5 minutos de Bucareste a Paris e mais 2 horas e 20 minutos de Paris a Lisboa. No Aeroporto Charles de Gaulle, o Mineiro com Cara de Matuto leu no Le Monde a notícia de que há 11 milhões de estudantes nas 1.600 universidades européias, especialmente na França (2 milhões), Alemanha (1,8 milhão), Itália (1,6) e Grã-Bretanha (1,5).
O Mineiro aguardava o avião que o levaria a Lisboa, quando aquela ala inteira do aeroporto foi evacuada. Rapazes e moças com metralhadoras à mão afastavam todos os passageiros para trás. Houve um momento de silêncio e depois um estampido de uma arma de fogo ou bomba. Daí a pouco, dois policiais passaram pelo local conduzindo um homem mascarado. Todos bateram palmas. Parece que o rapaz preso fazia parte da organização clandestina argelina Grupo Islâmico Armado. No dia seguinte, 88 deles foram detidos em cinco países da Europa, suspeitos de planejar uma onda de atentados durante a Copa do Mundo na França (julho).
O pastor Mário Jorge, diretor do Centro Batista de Publicações, estava à espera do Mineiro no aeroporto de Lisboa. Ele o hospedou na casa pastoral da Igreja Batista de Mercês, não muito longe de Lisboa.
No dia seguinte, o Mineiro se encontrou com Mário Jorge na estação Oriente e foram ambos visitar a monumental Expo 98, que custou 2 bilhões de dólares e recebeu mais de 75 mil visitantes por dia, de 22 de maio a 30 de setembro. Naquele ano comemorava-se o Ano Internacional dos Oceanos, por decisão da ONU e por causa do 500º aniversário da chegada do navegador português Vasco da Gama, então com provavelmente 29 anos, a Calicute, no sul da Índia, depois de contornar todo o continente africano no lado do oceano Atlântico e no lado do oceano Índico (até Melinde). O tema central da Expo 98 foi Os Oceanos, um Patrimônio para o Futuro.
Expo 98
Naquela cidade futurista às margens do rio Tejo, o Mineiro se lembrou do discurso de Jesus sobre o grande julgamento, quando “todas as nações serão reunidas em sua presença” (Mt 25.32). Pois 91% da população mundial estava ali representada pelos 146 países e catorze organizações internacionais. Podia-se ouvir música ao vivo de qualquer ritmo, de qualquer instrumento e de qualquer país, desde a Banda Kawayan, com instrumentos artesanais feitos de bambu, das Filipinas, até a Orquestra Sinfônica de Viena; desde a Orquestra Chinesa de Macau até o Tasi Fetu Tasi, de Timor; desde os Espirituais Negros até a música cigana, a judaica e a brasileira (Virgínia Rodrigues, Maria Bethânia, Wagner Tiso, Ney Matogrosso e Caetano Veloso, todos ao vivo). Podia-se comer massas da Itália, kimchi (couve com tempero picante) da Coréia, kebab do Egito, salsichas da Alemanha, feijoada do Brasil, empanados de carne do Uruguai, salmão da Finlândia, hambúrgueres do McDonald’s e choucroutes da França. Podia-se visitar os pavilhões de 114 países, da África do Sul ao Zimbábue, além dos pavilhões das organizações internacionais (Comitê Olímpico Internacional, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Organização das Nações Unidas, Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, OTAN, União Européia, União Latina e outras). Parede e meia com o pavilhão de Mônaco havia uma sala destinada à meditação e recolhimento religioso, denominada Espaço Interconfessional, ponto de encontro de todas as religiões. Para completar o aspecto internacionalizante da Expo 98, era possível ver pingüins do Estreito de Magalhães e lontras do Alasca.
O Mineiro com Cara de Matuto gastou um tempão visitando o Oceanário. Ali está o maior aquário da Europa, que alberga 15 mil exemplares de 250 espécies de animais. Os peixes vivem em paz, não se devoram, porque são alimentados com freqüência e, portanto, não precisam caçar para sobreviver, tendo perdido sua agressividade natural. Uma lei tão simples que bem poderia ser transportada para a experiência humana, se os governos dessem atenção inteligente aos pobres e enfrentassem a pressão daqueles que querem tudo para si mesmos, o que dá origem à violência e à insegurança generalizada. Com o tamanho de quatro piscinas olímpicas e 5 mil toneladas de água, o tanque central, de formato quadrado, tem em cada canto um hábitat costeiro e subaquático representando diferentes regiões do globo: o hábitat do Atlântico, o hábitat do Antártico, o hábitat do Índico e o hábitat do Pacífico. Neste último, o Mineiro viu um casal de lontras marinhas, que dorme de mãos dadas para não se separar um do outro por causa da correnteza. Elas tapam as orelhas com as patas para se protegerem do barulho excessivo também.
A Exposição Mundial não proporcionou apenas distração e lazer. Foi uma exposição educativa e até mesmo religiosa, pois mostrou a beleza do planeta e a responsabilidade que a espécie humana tem sobre a criação. Os oceanos ocupam dois terços do planeta e estão em risco. Daí o apelo prático dos expositores: “É imperativo legar os oceanos intactos às gerações vindouras”.
Além de visitar os pavilhões da Arábia Saudita, Angola, Romênia, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Brasil, de assistir a um maravilhoso espetáculo multimídia em três dimensões e de percorrer de teleférico toda a largura da Expo 98, ao lado do rio Tejo, o Mineiro visitou a Fragata D. Fernando II e D. Glória, recentemente restaurada. Esse navio foi construído em Damão, na Índia Portuguesa, em 1843. Durante 33 anos fez a ligação entre Portugal e os territórios portugueses na Índia, cumpriu missões ao longo da costa moçambicana e foi o navio-chefe de uma força naval que recuperou Ambriz, em Angola. Nesse pe-ríodo navegou mais de 100 mil milhas náuticas, o que significa cinco voltas ao mundo. No mesmo local, à margem do Tejo, o Mineiro fotografou uma réplica da caravela do século XVI e alguns dos vinte veleiros que tinham acabado de dar uma volta ao mundo à vela. Eles percorreram mais de 50 mil quilômetros (30 mil milhas náuticas) e passaram por Madeira, Panamá, Galápagos, Taiti, Bora Bora, Tonga, Darwin, Maurícias, Cidade do Cabo, Salvador (Bahia), Caraíbas e Açores. Os 120 tripulantes de oito países, inclusive Portugal, passaram 1 ano e 5 meses no mar (de janeiro de 1997 a maio de 1998).
No Pavilhão da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, recolhiam-se assinaturas em favor da proibição do fabrico e da utilização de minas e donativos para a desminagem de Angola e Moçambique. O Mineiro ficou corado de vergonha porque consta que 80% dos 15 milhões de minas encravadas no solo angolano são de fabricação brasileira.
O desafio de Pero Vaz de Caminha
O Mineiro com Cara de Matuto fez inteira questão de visitar a Torre do Tombo para ver a carta de 27 páginas do contador Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manoel I, escrita a bordo da nau capitânia ancorada na foz do rio Mutari, em Coroa Vermelha, na sexta-feira, dia 1º de maio de 1500. Ali está o primeiro desafio missionário em favor do Brasil. Depois de descrever o comportamento dos tupiniquins por ocasião da colocação da primeira cruz e da realização da segunda missa em território brasileiro — os índios ajudaram a carregar a cruz e imitaram os portugueses no ritual da missa —, Pero Vaz de Caminha pede ao rei de Portugal que envie sem demora um clérigo para batizar os nativos. Os dois degredados, um dos quais chamava-se Afonso Ribeiro, que seriam deixados em terra juntamente com uns cinco desertores cuidariam de instruí-los melhor na fé cristã. Apesar do apelo de Pero Vaz, que morreu em Calicute, na Índia, em dezembro daquele mesmo ano, os primeiros missionários só chegaram ao Brasil 16 anos depois.
A carta de Pero Vaz de Caminha permaneceu no ostracismo por mais de 300 anos. Foi localizada na Torre do Tombo pelo historiador espanhol Juan Bautista Muñoz em 1793 e publicada pela primeira vez em 1817 por Aires de Casal.
A Torre do Tombo está localizada na Cidade Universitária. O Mineiro pensou que ia encontrar uma construção antiga em forma de torre, onde se guardavam os documentos históricos. Ficou surpreso ao encontrar um prédio moderno de 54.900 metros quadrados, inaugurado em 1990. Só a área de arquivo tem quatro pisos e 150 quilômetros de prateleiras. Chama-se ainda de Torre do Tombo porque os “tombos del-rei” ficavam antes na Torre do Castelo de Lisboa.
O Mineiro logo percebeu que, para aproveitar a riqueza histórica dos Arquivos Nacionais de Portugal, precisaria de muitos dias de pesquisa. Ele se limitou a examinar o microfilme que reproduzia a famosa carta escrita há quase 500 anos e visitar a exposição Da Cruz de Cristo ao Sol Nascente, que lembrava o relacionamento de Portugal com o Japão no século XVI. Foram os portugueses que tornaram conhecidas aos europeus a localização e a configuração do arquipélago nipônico. O tempo não deu nem para pesquisar alguma coisa sobre Damião de Góis (1500-1572), humanista português que conheceu Lutero, Erasmo de Roterdam e o pintor protestante Albrecht Dürer. Damião de Góis foi o último dos grandes cronistas-mores do reino e exerceu o cargo de guarda-mor da Torre do Tombo a partir de 1548. Era adversário da Inquisição e adepto de uma reforma moderada da igreja. Seria o primeiro protestante ou simpatizante do protestantismo em Portugal.
No corredor de acesso à estação do metrô da Cidade Universitária, o Mineiro leu esta frase de Sócrates gravada nos famosos azulejos portugueses: “Não sou ateniense nem grego, mas, sim, cidadão do mundo”. Então se lembrou do metodista inglês John Wesley, que dizia coisa parecida: “O mundo é a minha paróquia”.
A pressa toda era por causa de uma entrevista marcada com o vice-procurador da República, Dr. José António da Rosa Dias Bravo, também presidente da Aliança Evangélica Portuguesa, que lhe deu de presente uma medalha comemorativa dos 75 anos da AEP.
Discriminação religiosa
O Mineiro ficou emocionado quando encontrou num pequeno histórico da AEP a letra do Hino da Juventude Evangélica Portuguesa, escrito por João Marques da Mota Sobrinho, que nasceu em Portugal em 1883, veio adolescente para o Brasil, aqui se converteu, ordenou-se pastor e se casou. Em dezembro de 1910, ele, com 27 anos, e a esposa, com 22, foram enviados para Portugal como missionários da Igreja Presbiteriana do Brasil. Ao que se saiba, são os primeiros missionários de qualquer denominação evangélica enviados para fora do país pela igreja brasileira. A família permaneceu em Portugal por 13 anos, de 1911 a 1923. Lá nasceram quatro de seus dez filhos, inclusive Jorge César Mota, que seria, mais tarde e por algum tempo, professor do Seminário Evangélico de Carcavelos, em Lisboa.
Mota Sobrinho amava Portugal e se orgulhava de ter nascido ali, como se vê na segunda estrofe de seu hino:
Que nação haverá mais famosa
Que a de Gama, Albuquerque e Camões?
Qual história achareis gloriosa
Como a nossa, a mais rica em lições?
O missionário luso-brasileiro não viveu o suficiente para perceber que a letra do hino por ele composta era profética:
Portugal já foi grande e temido,
Sua fama pelo mundo soou
Voltará a ser grande e querido,
Novo dia p’ra ele raiou.
Há, porém — lembrou o Mineiro — uma coisa que soa mal na história de Portugal. É a questão da intolerância religiosa . Nesse sentido, Portugal foi um país atrasado. Embora o pior já tenha ficado para trás, ainda há sinais de discriminação contra os protestantes. É como denunciou o presidente da Aliança Evangélica Portuguesa na presença do presidente da República Jorge Sampaio e do primeiro-ministro Antonio Guterres, em janeiro de 1997: “Não faz sentido que à beira do terceiro milênio ainda em Portugal aflorem fenômenos de intolerância e se verifiquem discriminações — várias e muitas em nível organizacional, estatutário e fiscal — no ordenamento jurídico português no domínio do direito à liberdade religiosa”. O estabelecimento de templos e lugares de culto sofre ainda de graves limitações, algumas de natureza administrativa. Os pastores não têm livre acesso aos hospitais e às instituições penais. Enquanto a Igreja Católica se beneficia de uma isenção total de impostos, as igrejas evangélicas não possuem o mesmo privilégio.
Para reparar os resquícios de intolerância religiosa, está para ser aprovada pela Assembléia da República uma nova Lei de Liberdade Religiosa. Sem ela — lembra o bispo Irineu da Silva Cunha, da Igreja Evangélica Metodista Portuguesa — “continuamos com os pratos da balança desequilibrados, pois faltará um peso de valor considerável”. Para uma platéia de 2 mil evangélicos, o presidente Jorge Sampaio prometeu, em janeiro de 1997, a plena igualdade religiosa em Portugal.
Antes da Revolução de 1974, que derrubou a ditadura salazarista (Antonio de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano), a situação era muito pior em Portugal e em todas as antigas colônias. Folhetos eram censurados ou apreendidos; templos, fechados; igrejas, impedidas de abrir novos lugares de cultos e pastores e outros obreiros, ilegalmente presos.
O Mineiro ficou surpreso ao saber que em Portugal, país predominantemente católico, são feitos cerca de 16 mil abortos por ano. Igualmente se surpreendeu com a informação de que há mais brasileiros (103 mil) vivendo em Portugal do que moçambicanos (100 mil), cabo-verdianos (31 mil), goaneses (22 mil) e timorenses (3 mil).
Boca do Inferno
O Mineiro com Cara de Matuto não tinha tempo a perder. No terceiro e último dia em Lisboa, visitou o maior número possível de lugares, a pé, de ônibus e no carro do estudante de direito Jorge David. Passou defronte à Livraria Bertrant, uma das mais antigas do mundo, fundada há mais de dois séculos e meio, em 1732. Ali comprou o livro Vasco da Gama, o orgulho e a ferida, de René Duchac. Bateu uma fotografia da escultura de Fernando Pessoa, assentado numa cadeira ao ar livre, defronte a um bar. O maior poeta português desde Camões, que começou a escrever em inglês e não em sua língua nativa, definia-se como “atlas involuntário de um mundo de tédio, que quase fisicamente e localmente me pesa sobre os ombros”. Pessoa teve vida muito curta (47 anos) e atribulada.
Espalhadas pela praça do Comércio, o Mineiro viu as esculturas dos gordinhos e das gordinhas do artista colombiano Fernando Botero, o homem que adora aumentar e deformar o volume das formas humanas. No mês seguinte, Botero fez uma exposição no Rio de Janeiro, visitada por mais de 50 mil pessoas, das quais 443 pesavam mais de 100 quilos e, por isso, entraram sem pagar.
Do famoso Castelo de São Jorge, construído pelos mouros, o Mineiro teve uma vista panorâmica de Lisboa. Então, lembrou-se do terremoto de 1531, 10 anos depois da morte de Dom Manuel I, o Venturoso, que fez 30 mil vítimas, e do outro terremoto, 224 anos depois, em 1.755, que destruiu dois terços de Lisboa e matou 60 mil pessoas. Lembrou-se também do incêndio de 1988, que destruiu centenas de lojas e empresas e deixou 1.117 trabalhadores sem emprego.
Em Belém havia muita coisa para ser visitada, especialmente a Torre de Belém e o Padrão dos Descobrimentos. No Mosteiro dos Jerônimos, o Mineiro fotografou os túmulos de Vasco da Gama e Camões. O primeiro descobriu o caminho marítimo para a Índia (1498) e o segundo escreveu em versos a história da expedição de Vasco da Gama e de Portugal, publicada em 1572, com o título Os Lusíadas (10 cantos, 1.102 estrofes e 8.816 versos). Ali perto, fotografou também a réplica do avião Santa Cruz, que fez a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, em 60 horas e quatro minutos de Lisboa ao Rio de Janeiro, com escalas em Las Palmas (Canárias), São Vicente e São Tiago (Cabo Verde), Penedo, Fernando de Noronha, Recife, Salvador, Porto Seguro e Vitória. O avião pesava 2.500 quilos (carregado) e viajava a uma velocidade cruzeiro de 115 quilômetros por hora. Sob o comando dos oficiais da marinha portuguesa Gago Coutinho e Sacadura Cabral, a pequena aeronave percorreu 8.088 quilômetros (1922).
É claro que, estando ali, o Mineiro não poderia deixar de experimentar os famosos pastéis (doces) de Belém, fabricados desde 1837, 15 anos depois da independência do Brasil. Chega-se a vender 50 mil unidades por dia.
A Torre de Belém foi construída por Dom Manuel I no período de 1514 a 1521. De lá se tem uma vista muito bonita do rio Tejo. Todavia o monumento que impressiona mais é o Padrão dos Descobrimentos, a começar da gigantesca rosa-dos-ventos em mármore que está no chão. Ali estão assinaladas as regiões do planeta descobertas pelos portugueses no século XV — Açores (1427), Cabo Verde (1460), a costa ocidental da África (1469), o caminho marítimo para as Índias (1498) e Brasil (1500). Se o planisfério defronte ao monumento aponta para a geografia, o Padrão aponta para a história. Nos dois lados do monumento vê-se a figura de pessoas diretamente relacionadas com as descobertas marítimas, como o rei Dom Manuel I, os navegadores Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Fernão de Magalhães, Bartolomeu Dias e Martin Afonso de Sousa, o poeta Luís Vaz de Camões, os freis Henrique de Carvalho e Gonçalo de Carvalho e o missionário jesuíta Francisco Xavier. Dá para perceber claramente que Portugal, bem como a Espanha, tinham elevada consciência missionária e misturavam essa paixão com a paixão pela expansão territorial e pelo desenvolvimento econômico, o mesmo acontecendo pouco depois com a Holanda e a Inglaterra, países protestantes. Aliás, Camões celebra a inspiração cristã dos descobrimentos.
Subindo ao topo do Padrão dos Descobrimentos, o Mineiro pôde ver panoramicamente o lugar de onde saíram as naus portuguesas para os mais distantes lugares do mundo, inclusive China e Japão.
No final daquela tarde, o Mineiro visitou a Boca do Inferno, onde a violência do mar abriu várias grutas na rocha. Ali encontrou uma cruz debaixo da qual havia a nostálgica inscrição: “A Antonio da Silva, que perdeu a vida abnegadamente no dia 13 de maio de 1963 para tentar salvar outras vidas que o mar arrebatou”. Na mesma hora, veio à sua lembrança a pessoa de Jesus Cristo, aquele que deu a sua vida abnegadamente não para tentar salvar, mas para salvar outras vidas.
Ao chegar à casa pastoral da Igreja Batista de Mercês, o Mineiro ficou sabendo que deveria se hospedar naquela noite noutro lugar de fácil acesso ao aeroporto, porque os ônibus iriam entrar em greve na manhã seguinte e ele correria o risco de perder o avião de volta ao Brasil, depois de uma viagem de 20 dias pela Europa (Itália, Suíça, Áustria, Romênia e Portugal).
Fonte: Revista Ultimato – Edição: 259.