Direito Nosso

UE discute expressão religiosa no trabalho

Comarca de Lajeado
2ª Vara Cível
Rua Paulo Frederico Schumacher, 77, Moinhos

Processo nº:  017/1.07.0004478-4 (CNJ:.0044781-56.2007.8.21.0017)
Natureza: Indenizatória
Autor: Carla Dalvitt, João Henrique Koefender
Réu: Igreja Universal do Reino de Deus
Juiz Prolator: Juíza de Direito – Dra. Carmen Luiza Rosa Constante Barghouti
Data: 10/07/2012

Vistos etc.
CARLA DALVITT e JOÃO HENRIQUE KOEFENDER, qualificados nos autos, ajuizaram a presente ação de indenização por danos morais e materiais em desfavor de IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, igualmente qualificada. A parte autora relatou que influenciada pelos programas exibidos pela Rede Record, passou a frequentar a Igreja Universal do Reino de Deus. Ressaltou que, juntamente com seu companheiro, vinham passando por problemas financeiros e que a Igreja iludia com a promessa de solução, onde ao final de cada culto os pastores recolhiam certa quantia em dinheiro e asseveravam que quanto mais dinheiro fosse doado, mais Jesus daria em troca. Salientou que, em função da promessa de soluções de seus problemas financeiros, resolveu doar valores à Igreja e, assim, prosseguiu com a venda do veículo que possuía, entregou joias, eletrodomésticos, aparelho celular e uma impressora, tudo sem o consentimento do companheiro. Mencionou que, mais tarde, se deparando com toda a situação, se vendo sem carro para trabalhar, o seu companheiro se obrigou a registrar ocorrência junto à Delegacia de Polícia de Lajeado. Alegaram ter sido iludidos e roubados, vítimas do que muitos chamam de “mercado da fé”, onde foram enganados, vindo a sofrer abalo emocional. Ao final, requereram a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita; a condenação do réu no pagamento dos honorários advocatícios; e a condenação do réu no pagamento de danos morais e danos materiais, no valor de R$ 220.000,00, mais juros e correção monetária, mais lucros emergentes e lucros cessantes. Atribuíram à causa o valor de R$ 220.000,00. Juntaram documentos às fls. 23-32.
À fl. 33, foi deferido o benefício da assistência judiciária gratuita.
Citada, a requerida apresentou sua contestação às fls. 39-68 e documentos às fls. 69-85. Alegou, preliminarmente, a ilegitimidade do co-Autor, a ausência de interesse processual dos autores, a inépcia da inicial, ausência de causa de pedir remota e que, da narração dos fatos, não decorre logicamente o pedido. No mérito, aduziu a inobservância ao princípio do ônus da prova, a ausência de ato ilícito, ausência de nexo causal e a ausência de dano. Ao final, ressaltou que o ordenamento jurídico pátrio não consagra o temor reverencial como vício de consentimento apto a contaminar os atos dele decorrentes, onde os pressupostos da indenização não contemplam como nexo de causalidade de dano material o arrependimento de doações entregues para o sustento do trabalho religioso e nem emprestam ilicitude à conduta religiosa exercitada no dever do ministério eclesiástico. Requereu o acolhimento das preliminares, com vista à extinção do feito. No mérito, requereu a criteriosa avaliação da matéria sub examine, resultando na decretação absoluta do pedido, com a condenação da parte autora ao pagamento das custas e de honorários advocatícios. Solicitou, ainda, que seja indeferido o pedido de justiça gratuita concedido aos autores.
Às fls. 88-92, os autores apresentaram réplica.
Realizada audiência preliminar no dia 07/04/2008, foi proposta conciliação, que resultou inexitosa.
Às fls. 10-105 e fl. 108, as partes apresentaram rol de testemunhas.
Em audiência realizada em 05/05/02008, foram colhidos o depoimento pessoal das partes e foram ouvidas as testemunhas arroladas (fls. 121-130). O termo de degravação foi juntado às fls. 134-222.
Vieram aos autos, devidamente cumpridas, as cartas precatórias expedias às Comarcas de Limeira/SP (fls.233-246), Estância Velha, Santiago, Passo Fundo e Porto Alegre (fls.289-312; fls.326-336; 341-377; fls.395-410; fls.414-428).
Encerrada a instrução (fl.431), a demandada apresentou memoriais às fls.434-449.
Vieram os autos conclusos para sentença.
RELATEI.
DECIDO.
I – DAS PRELIMINARES
a) Da (i)legitimidade do autor JOÃO HENRIQUE KOEFENDER
Em preliminar, suscitou a demandada a ilegitimidade do autor JOÃO HENRIQUE KOEFENDER, sob o argumento de que a questão posta diz respeito à doação realizada pela autora CARLA DALVITT. Pugnou, assim, pela extinção da ação, forte no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.
A propósito, argumentou que as doações realizadas por CARLA decorrem do trabalho desta, sendo que, mesmo ostentado os demandantes a condição de casados, os bens doados estão excluídos da comunhão de bens. No mesmo sentido, afirmou que a autora sequer necessitava de autorização de seu cônjuge para firmar a doação, destacando que mesmo a pretensão de revogação da doação é direito personalíssimo do doador.
Contudo, a preliminar merece ser afastada.
Mesmo que as doações tenham sido efetivadas pela autora CARLA, em análise às provas existentes nos autos, depreende-se que estas atingiram o patrimônio comum do casal, o que conduz ao reconhecimento da legitimidade do coautor JOÃO HENRIQUE.
b) Da ausência de interesse processual dos autores
Também em preliminar, pugnou a requerida pela extinção do processo, nos termos do artigo 267, inciso VI, e artigo 301, inciso X, todos do Código de Processo Civil, aplicando subsidiariamente o artigo 182 do Código Civil, arguindo que os autores deveriam ter ajuizado uma ação desconstitutiva de ato jurídico ao invés da ação indenizatória.
No entanto, os autores buscam a reparação pelos alegados danos morais e materiais experimentados em decorrência da suposta coação moral exercida pela ré e não, diretamente, o desfazimento das doações.
Assim, não há que se falar em ausência de interesse processual dos autores, nem na necessidade de ajuizamento de ação desconstitutiva do ato jurídico.
c) Da inépcia da inicial ante a ausência de causa de pedir remota e da narração dos fatos
Ainda em preliminar, requereu a demandada a extinção do feito em face da ausência de causa de pedir e sob o argumento de que dos fatos narrados na inicial não decorre logicamente o pedido, forte no artigo 267, inciso VI, cumulado com os artigos 301, inciso III, e 295, parágrafo único, incisos I e III, todos do Código de Processo Civil.
Entretanto, não lhe assiste razão.
Há causa de pedir e pedido certo e determinado, bem como da narração dos fatos decorre logicamente a conclusão.
Portanto, afasta-se a preliminar de inépcia da inicial.
II – DO MÉRITO
Trata-se, pois, de ação indenizatória ajuizada pelos autores com o objetivo de buscar a reparação de danos morais e materiais, no valor de R$ 220.000,00, além de juros e correção monetária, bem como lucros emergentes e cessantes. A causa de pedir do feito está baseada na alegação de coação moral exercida pela Igreja Universal do Reino de Deus contra a autora CARLA DALVITT, especialmente – que, na época dos fatos, era sua fiel –, ocasião em que, aproveitando-se da fragilidade emocional e psicológica desta, sob ameaça de mal injusto, foi beneficiada pela doação de boa parte do patrimônio dos demandantes.
A demandada, em contrapartida, não nega categoricamente as doações feitas pela autora, alegando, em suma, se tratar de exercício regular de direito.
É sabido que o Estado brasileiro é um Estado laico. A partir do disposto no artigo 5.º, inciso VI, no artigo 19 e no artigo 210, §1.º, da Constituição Federal, verifica-se que o constituinte originário reconheceu a separação entre o Estado e a Igreja, de modo a garantir a inviolabilidade de consciência e de crença.
No entanto, isso não torna os atos praticados pela Igreja imunes ou isentos do controle jurisdicional, haja vista a inafastabilidade da jurisdição, prevista no artigo 5.º, inciso XXXV, da Carta Magna, especialmente se presente abuso de direito e enriquecimento sem causa. Além disso, incumbe ao Estado tutelar e proteger a conduta de pessoas vulneráveis que se desfazem de seu patrimônio, acreditando na promessa de mal injusto e de bênçãos sagradas.
Em tese, as contribuições/doações realizadas pelos fiéis em favor de templos religiosos constituem uma atividade não vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, tratando-se, em princípio, do exercício regular de um direito, salvo quando comprovado o abuso. Nesse sentido, aliás, é o disposto no artigo 5.º, inciso II, da Constituição Federal, combinado com o artigo 188, inciso I, parte final, do Código Civil.
No caso em tela, aplica-se o disposto no artigo 538 do citado diploma, segundo o qual considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.
Assim, considerando-se que a principal característica do contrato de doação é o pressuposto da liberalidade, é imprescindível que a pessoa doe porque quer doar, que ela possua o animus donandi.
Na hipótese de doações religiosas, tratam-se de atos de disposição voluntária, praticados pelos fiéis e voltados à colaboração com o templo religioso de que participam.
Por essas razões, portanto, no caso dos autos, impõe-se a análise dos atos de doação praticados pela autora, de modo a verificar se efetivamente houve a alegada coação moral, sem esquecer, todavia, o disposto no artigo 541, parágrafo único, e nos artigos 548 e 549 do Código Civil:
Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.

Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.
Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.
Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
Nos termos do artigo 152 do Código Civil, consta que a valoração da coação impõe a análise da pessoa do coagido, bem como de suas condições de vida, in verbis:
Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.
Segundo os autores, a requerente CARLA DALVITT foi procurar ajuda junto à demandada em razão dos problemas financeiros que ela e seu esposo vinham enfrentando.
A propósito, a testemunha GILMAR ENGEL afirmou que, após os fatos, tomou conhecimento, por meio do esposo da autora, que estavam numa situação financeira difícil:
JUÍZA : E o senhor sabe…A dona Carla ele comentou com o senhor os motivos que ele frequentava a igreja?

TESTEMUNHA : Não, comentar ela não chegou a comentar.

JUÍZA : O senhor tomou conhecimento se eles passaram por situações financeiras difíceis, se naquela ocasião eles tinham alguma dificuldade?

TESTEMUNHA : Eu tomei conhecimento através do esposo dela que estava numa situação difícil. Depois que aconteceu o fato ele comentou.

JUÍZA : Ele chegou a lhe contar o que aconteceu com ela?

TESTEMUNHA : Precisamente não, mas ele deu por cima assim, que ela doou o que não tinha pra… (fl.163)
A testemunha MAINA RIBEIRO, por sua vez, admitiu ser fiel da requerida e, questionada sobre os motivos que levaram a autora CARLA a frequentar a igreja, fez menção a problemas de depressão e financeiros enfrentados pela demandante:
JUÍZA : A senhora disse que conheceu a Carla. Quando é que foi isso?

TESTEMUNHA: Foi faz um ano mais ou menos, quando ela começou a freqüentar a igreja, eu também freqüentava.

JUÍZA : Ela conversou com a senhora?

TESTEMUNHA: Sim, algumas vezes, loucas vezes a gente conversou assim, mas a gente conversava.

JUÍZA : Ela lhe falou sobre coisas, motivos que ela estava indo na igreja?

TESTEMUNHA: Foram poucas as vezes que a gente conversou sobre isso, ela falava…pedia orientação, até a gente conversava sobre alguns problemas de depressão que ela tinha, era só isso.

JUÍZA : E ela falava se ela tomava remédios, alguma coisa assim?

TESTEMUNHA: Não me recordo dela ter falado isso.

JUÍZA : Lembra se ela lhe falou que estava com dificuldades financeiras?

TESTEMUNHA: Falou. (fl.167)
MAINA, ainda, afirmou ter trabalhado para a autora durante algum tempo, período em que presenciou as dificuldades enfrentadas por ela junto à empresa:
PROCURADORA DA PARTE REQUERIDA : Como é que ela sabe, que ela era comerciante?Como é quer ela sabe que ela era comerciante?

TESTEMUNHA: A gente sabe, a gente conhecia a loja dela e até inclusive eu trabalhei alguns dias lá nesse comércio que ela tinha.

JUÍZA : Quando que a senhora trabalhou com ela?

TESTEMUNHA: Eu não me recordo bem, mas foi nesse mês de junho, não me recordo exatamente os dias que foram, mas eu creio que não chegou a ser nem uma semana que eu fiquei lá.

JUÍZA :Por que a senhora ficou lá?Eu não entendi se ela lhe contratou…

TESTEMUNHA: Ela ia me contratar, ela pediu uma orientação ao pastor quem poderia trabalhar, gostaria que fosse alguém da igreja quem ela poderia confiar e colocar lá no estabelecimento dela, daí eu comecei então a trabalhar, e tinha outro funcionário, eu ajudava ela, e ela tava me ensinando pra começar a trabalhar com ela, não chegou a ter um contrato nada…

JUÍZA : E como é que foi assim esses dias a relação que a senhora ia trabalhar com ela?

TESTEMUNHA: Sim, então eu tava trabalhando fiquei uns dias lá com a funcionaria, geralmente era mais com ela que eu ficava, depois com a dona Carla, e na segunda feira quando eu ia ir junto com a outra funcionária pra trabalhar, ai ela disse pra mim “não precisa vim que a Carla mandou te avisar tu não precisa mais vim que ela ta fechando o estabelecimento” e daí eu não fui naquele dia, e ela também ficou surpresa, a outra funcionária, ela disse que foi pega de surpresa que não sabia de nada, e daí eu não fui mais e ficou por isso, até tentei ligar pra dona Carla umas vezes, mas não consegui mais falar com ela depois disso.

PROCURADORA DA PARTE REQUERIDA : Se esta outra funcionária excelência, fez algum comentário, ou se ela ouviu da própria Carla que a empresa tava passando por dificuldades?

TESTEMUNHA: A funcionária, ela tava me explicando como funcionava o estabelecimento, e que ela tava pretendendo voltar pra cidade dela, que era Pelotas, e que ela ficaria no lugar dela, e ela fazia alguns comentários sobre o andamento da empresa, que muitas vezes tinha…contratos fechados que tinha que entregar matérias, e produtos que então os clientes começavam a ligar que tava atrasando, que tava demorando pra chegar, e a funcionária me dizia que o problema não seria na entrega do produto, e sim que a…que não tinha como a empresa que fornece o produto não tinha enviado, que era isso, que era pra dizer pros clientes quando que às vezes ela me dizia que o produto nem tinha sido encomendado….

JUÍZA : E essa pessoa, como que é o nome dela?

TESTEMUNHA: Rosangela.

JUÍZA : Não sabe o sobrenome?

TESTEMUNHA: Não sei, isso eu não me recordo. Então ela me dizia que a falha…que ela tinha que mentir pro cliente, tinha que contornar a situação pra não ficar chato pra empresa, mas que às vezes não era um erro da empresa que fornecia (inaudível) era um erro da proprietária, então às vezes ela tinha que mentir pra um cliente ela tinha que dizer que não tinha chegado…

JUÍZA : E ela chegou a te explicar por que acontecia essa situação?

TESTEMUNHA: Ela me explicava que tem que fazer encomenda pro fornecedor pro produto vim, que muitas vezes era esquecido ou era deixado pra depois…

JUÍZA : E ela chegou a lhe falar se alguma vez ela teve dificuldade financeira?

TESTEMUNHA: Não, isso eu não sei, esse processo de condições de pagamento pra esses fornecedores eu não cheguei a ter conhecimento não, daí até a funcionária me dizia “como é que uma pessoa que diz que ta indo na igreja, que ta começando a freqüentar a igreja, como é que uma pessoa vai mandar eu mentir?” sendo que a gente sabe que é contra os princípios que a gente segue, e ela ficava me perguntando como é que eu vou mentir se ela…

JUÍZA : E ela também seguia?

TESTEMUNHA: Não, ela não freqüentava a igreja.

JUÍZA : Pois é, mas a senhora falou que ela disse que mentisse é contra os princípios que a gente…

TESTEMUNHA: Não, princípios que a gente na igreja sabe, o que a maioria das outras religiões, sendo católicos ou evangélico, a maioria das pessoas sabe o que ta na bíblia também, que a gente sabe que não pode mentir, como sendo um principio que a gente segue, a gente que é da igreja a gente sabe disso, e ela com todo o conhecimento disso, tendo conhecimento, não sei como ela teve esse conhecimento, se ela já ouviu, se ela já freqüentou alguma igreja, ou alguma coisa…

JUÍZA : Mas (inaudível) não freqüentava a igreja?

TESTEMUNHA: A igreja universal não. (fls.169-171)
Da mesma forma, GERSON LUÍS HAMESTER, fiel da demandada, afirmou ter tomado conhecimento de que a autora passava por dificuldades financeiras quando passou a frequentar a igreja requerida:
PROCURADORA DA PARTE REQUERIDA :Se ele sabe me dizer  se a autora alguma vez deu algum testemunho?

TESTEMUNHA :  Que eu me recorde sim, por que freqüentava…no caso na segunda feira, como eu referi antes, e eu vi ela dando testemunho…que a primeira semana eu não me recordo muito bem, que ela tava por isso que eu digo que vi ela mais ou menos um mês um mês e pouco, que ela disse que tava passando dificuldades numa empresa que ele tinha, e que ela tinha fechado um contrato muito grande que já tinha sido abençoada na primeira semana que ela tava fazendo a corrente, corrente dos empresários, que nessa corrente dos empresários na segunda é orado só pra que?Pra vida financeira nada mais, só pra vida financeira, pra que Deus abra as portas, a gente ora pra isso na segunda. (fl.187)
Na condição de informante, foi ouvido pelo juízo o senhor MÁRCIO O. NUNES, que confirmou ter sido o pastor responsável pela igreja na cidade, na época dos fatos. Assim como as testemunhas ouvidas, afirmou ele que a autora enfrentava dificuldades na época em que passou a participar das celebrações da demandada:
JUÍZA : Eu estou lhe fazendo todas as perguntas pra poder chegar ao fato. O que aconteceu?O que houve que estamos aqui hoje falando desses…

INFORMANTE : A dona Carla, no caso, eu recebi a visita dela ali na igreja, ela nos procurou aqui na igreja de Lajeado, e ela na ocasião disse que tava passando por muitos problemas espirituais que tava sofrendo com o marido, que o marido usava drogas, ela falou…

JUÍZA : Eu não sei assim se pela…o senhor não é obrigado a falar, até por que o código preserva…o senhor não é obrigado a falar o que o senhor recebeu, em tipo, confissão, não sei se existe lá com o senhor. Se a pessoa confidenciou agora o senhor vai revelar, não sei qual seria a sua responsabilidade guardar esse segredo. Eu estou só lhe advertindo, mas se o senhor quiser falar o senhor pode.

INFORMANTE : Ela relatou os problemas que ela tava sofrendo, eram vários, na ocasião eu falei pra ela “dona Carla a senhora tem que buscar a Deus, a senhora tem que buscar a sua vida pra Jesus” falei pra ela que sem Jesus…”sem mim nada podeis fazer”, “ a senhora tem que entregar a sua vida pra Jesus, por isso que a senhora tenta de uma lado tenta de outro e sem Deus a gente não consegue nada, a gente só consegue alguma coisa quando a gente ta com Jesus quando a gente entrega a nossa vida pra Jesus”, daí eu convidei e a pra freqüentar fazer as correntes de prosperidade, segunda feira, convidei ela pra fazer corrente de libertação pra se livrar do mal na terça feira…

JUÍZA : Ela tinha assim…Como era o estado antes…o senhor falou…esclarecer bem, ela chegou uma pessoa desesperada, ou nervosa, ou…

INFORMANTE : Não, ela só dizia que tava sofrendo que tinha muitas tristezas na vida dela, vários pontos sofridos na vida dela e que ele precisava de muita oração, ai nós ali na igreja, eu e os irmãos da igreja começamos a fazer uma corrente de oração por ela, daí ela começou a freqüentar…

JUÍZA : Quando que foi isso?

INFORMANTE : Em um mês, tipo, junho, maio, ela começou em maio terminou em junho quando aconteceu a confusão com o esposo dela e ela saiu da igreja. (fl.208)
Ainda, da mesma forma que as testemunhas ouvidas no curso da instrução, o pastor MÁRCIO confirmou que a autora CARLA teria dado seu testemunho em certa ocasião, fazendo menção à realização de um bom negócio:
PROCURADORA DA PARTE REQUERIDA : Se ele tem conhecimento se a autora deu algum testemunho na igreja?

INFORMANTE : Sim, a dona Carla certo dia eu tava pregando e ela se levantou na reunião e falou “ pastor eu queria dar um testemunho, desde que o senhor começou a orar aqui na igreja e tal, nos ajudar e tal eu comecei a vencer” daí ela deu um testemunho e falou que naquela semana fechou um contrato bom, que vendeu um ar condicionado e ai ganhar um bom valor e que ela te falou, inclusive, as pessoas as pessoas que tão aqui vale a pena você dar dizimo e dar oferta por que eu comecei a dar aqui na igreja o meu dizimo a minha oferta e…

JUÍZA : Fazia quanto tempo que ela freqüentava a igreja quando deu esse testemunho?

INFORMANTE : Uma semana ela já deu o testemunho. (fls.210-211)
Questionado, MÁRCIO afirmou:
PROCURADOR DA PARTE AUTORA : Quando a Carla procurou  senhor na sua igreja o senhor poderia dizer aqui pra nós em juízo, qual é a  qualidade psíquica, se ela tava balada, se tava com depressão, qual é o estado que ela se encontrava?Se tu pode precisar isso?

INFORMANTE : Ela tava triste com a situação que ela  tava vivendo, que eu não vou citar os problemas, na época que ele falou pra mim dos problemas que ela tinha em casa, família, financeira e pedia pra nós oração e a gente orou. (fl.220)
Diante de tais depoimentos, portanto, conclui-se que, ao procurar a demandada, autora CARLA se encontrava em situação de vulnerabilidade emocional, o que, associado aos demais elementos fáticos, contribuiu para a transferência de patrimônio para a igreja ré.
Ainda a propósito, cumpre mencionar que, a partir dos depoimentos prestados durante a instrução, depreende-se que as doações realizadas não foram efetivamente espontâneas, mas foram induzidas. Juntamente com os demais fiéis, a autora foi desafiada a fazer donativos, até mesmo superiores às suas capacidades econômicas, para provar a fé e sob a ameaça de não ser abençoada.
Sobre o tema, a apelação cível n. 71000983379 da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Estado, julgada em 10/08/2006, esclarece que:
A fé não pode ser medida pela quantidade de dinheiro que as pessoas contribuem para a Igreja, qualquer que seja ela. Justamente nesse ponto transparece clara a intenção de coagir os fiéis a fazerem algo que, de livre e espontânea vontade, não o fariam, não fosse o ardil empregado por alguns Pastores da ré, notadamente àquele que levou o autor a se desfazer de seu automóvel em proveito da demandada.
Assim, diante desse tipo de condução religiosa, é facilmente constatável a divergência existente entre a manifestação de vontade dos fiéis e seu íntimo querer no momento da doação. Afinal, a partir dos testemunhos que instruem o presente feito, verifica-se que, em verdade, nos cultos realizados pela demandada, muitos fiéis doam bens – que muitas vezes sequer poderiam doar – pelo temor legítimo de sofrerem algum mal injusto e pela promessa de graças divinas a serem alcançadas. Isso, aliás, fica evidente, também, no documento acostado à fl.28 dos autos.
Por ilustrativo, nesse sentido, destaca-se trecho do depoimento prestado por MAINA RIBEIRO, ocasião em que falou a respeito do dízimo e das ofertas:
PROCURADORA DA PARTE REQUERIDA : Se ela pode me explicar o que é dizimo e o que oferta?

TESTEMUNHA: Dizimo ta escrito na bíblia e é por isso que eu creio, dizimo é a décima parte daquilo que passa nas nossas mãos, não é uma coisa que o pastor que pede, que a gente sabe que ta na bíblia, por isso que a gente segue.

JUÍZA : Lá todo mundo contribui com o dizimo?

TESTEMUNHA: A maioria das pessoas, nem todo mundo, não sei se todo mundo por que passam muitas vezes durante a semana muitas pessoas na igreja, e a gente não sabe, tem muitas pessoas que freqüentam gostam da palavra, da igreja universal, mas nem todos são obrigados a dar o dizimo a gente da porque a gente quer.

JUÍZA : Doutora. A doutora quer saber o que é oferta, o que é?

TESTEMUNHA: Numa oferta a gente da aquilo que a gente quer da, é uma expressão de amor, como se eu for dar um presente pra uma pessoa eu vou dar aquilo que eu acho que é o melhor pra ela, e assim a gente tem em relação a Deus também, é o amor que a gente tem, e a gente dá o Quanto a gente pode.

JUÍZA : Foi falado alguma vez se o pastor passa envelope, e pede um tanto de mil reais, ou oitocentos que ele pode contribuir com aquilo?

TESTEMUNHA: Então cada um tem um…Tem pessoas de muitas condições financeiras na igreja, tem gente que pode dar mil, tem gente que pode dar…

JUÍZA : Essa pergunta é que o pastor fala nesses valores?

TESTEMUNHA: Ele fala, mas a pessoa de acordo condição que ela tem ela levanta a mão e pega o envelope, se ela não quer ela não pega, e ninguém vai desmerecer ela.

JUÍZA : Uma outra questão assim que foi falado aqui, é que se é dito pelo pastor que o que foi pago vocês recebem em dobrou, ou em varias vezes?É falado isso?

TESTEMUNHA: Então, é falado o que ta na bíblia, que o pastor só prega o que ta na bíblia.

JUÍZA : O que o pastor verbaliza ali da bíblia?

TESTEMUNHA: Ta escrito na bíblia quem morre cego, quem deixa seu pai e sua mãe por amor a Deus recebe cem vezes mais, então é isso que ele comenta não que vem da cabeça dele, não é uma coisa que ele diz, mas sim aquilo que ta na bíblia que pode ser visto por qualquer pessoa que abrir a bíblia e pode ver, até ler onde está escrito e a pessoa que crê pode…(inaudível) a critério da pessoa. (fl.171-172)
No mesmo sentido foi o depoimento prestado pela testemunha GERSON LUÍS HAMESTER, às fls.185-186.
A partir do depoimento prestado por MAINA RIBEIRO, restou comprovado, ainda, que o documento da fl.28 é efetivamente entregue nos cultos realizados junto à requerida:
PROCURADOR DA PARTE AUTORA : A senhora pode dizer o que é um voto quebrado?

TESTEMUNHA : Um voto quebrado é quando a pessoa promete dar pra Deus algum valor, e então ela chega no dia e ela não entrega aquilo que ela prometeu pra Deus, não por pastor, mas pra Deus, que ta escrito na bíblia, “quando fizerem alguma oferta não pode descumprir”, então é encima que eu creio se eu faço um voto com Deus eu tenho que cumprir aquilo que eu…

PROCURADOR DA PARTE AUTORA : E o que  de acordo com os ensinamentos lá da igreja com o voto quebrado, com a pessoa que não mantém esses votos?

TESTEMUNHA :  Isso é ela com Deus, o pastor não vai amaldiçoar ela, ou xingar ela publicamente, os outros por ela não ter cumprido um voto, até por que não existe esse controle, como eu já falei.

PROCURADOR DA PARTE AUTORA : Eu acho que (inaudível) conhece esse (incopreensivel) vinte e oito, se isso aqui é entregue lá na igreja?

JUÍZA : Folha vinte e oito dos autos.

TESTEMUNHA : Sim, isso foi entregue durante uma reunião, como pode ver aqui não é um texto escrito pelo pastor é o que ta na bíblia, até pode comprovar em juízes treze, quatorze e dezesseis, quinze e dezesseis.

PROCURADOR DA PARTE AUTORA : É entregue pra todas as pessoas que interesse…Pra todas as pessoas (incompreensível) ou só pra aqueles que quebraram os votos?

TESTEMUNHA : Pra todos.

PROCURADOR DA PARTE AUTORA : Pra todos?

TESTEMUNHA : Pra todos durante a reunião. (fls.178-179)
Também a partir da prova testemunhal produzida, verifica-se que instigação maior ao ato de doar é realizada nos dias da “Fogueira Santa”, ocasião em que os fiéis são desafiados a realizarem donativos superiores, restando evidente que, apesar do consentimento externado pela doação, foi ele deturpado pela coação moral e psicológica exercida pela requerida.
Nesse sentido, destaca-se trecho do depoimento prestado pela testemunha GERSON LUÍS HAMESTER:
PROCURADORA DA PARTE REQUERIDA : Se ele sabe me dizer o que é a “fogueira santa”?

TESTEMUNHA : “Fogueira santa”, eu vejo assim, é uma oferta pra Deus, a igreja universal faz a “fogueira santa” duas vezes ao ano como se fosse assim, uma celebração festiva da igreja, não é nem pra arrecadar fundos nem nada, mas sim levar a pessoa a usar a fé, exercitar a fé dela, buscar em Deus, como diz na palavra de Deus, tem muitas passagens bíblicas…

JUÍZA : Como é que ela usa essa fé?

TESTEMUNHA : Assim…

JUÍZA : Usar a fé.

TESTEMUNHA : Usar a fé é crer em alguma coisa, eu creio no senhor Jesus, eu creio nas promessas que eles nos dá na palavra de Deus na igreja universal desde que eu comecei, eu comecei assim na igreja universal, se eu posso falar, posso falar?

JUÍZA : Pode.

TESTEMUNHA : Na igreja universal eu comecei na corrente da segunda feira , eu tava passando muita necessidade financeira, eu não vendia, eu buscava a prosperidade, e buscava preencher o meu coração, então eu to na igreja universal eu…eu assim entrei dentro da “fogueira santa” de Israel, isso foi em outubro, em outubro começou a “fogueira santa“de Israel, então até o pastor me disse “você quer fazer uma oferta pra Deus, ofertar, não se oferta dinheiro, e sim o seu coração a sua vida, que ele vai muda ra sua vida” então eu fui não levado a fazer, mas crendo que Deus ia mudar a minha vida, e eu cri, eu cri naquela palavra…

JUÍZA : O senhor chegou a fazer doações em dinheiro, ou o senhor só fez uma oferta?

TESTEMUNHA : Não (inaudível)… oferta, como a igreja, que eu era católico também, (inaudível) errada nesse mundo, parei de beber, fumar, parei com as brigas dentro da minha casa, eu tinha duas crianças doentes, mudou a minha vida totalmente, parei de…tinha na época que os Anjos de Plantão vinha todas as quintas feiras, era uma maldição na minha casa, todas as quintas feiras os anjos de plantão tavam lá por que as minhas meninas tavam doentes, então eu tinha que buscar em algum lugar, busquei em um monte de lugar não achei, um dia alguém me disse “vamos lá assim, assim…” fui, mas por que eu cri, eu quis, então eu fui, ninguém me induziu a nada, ninguém me levou a fazer alguma coisa, mas quando eu fui e fiz, e cri naquilo ali, eu fui abençoado, Deus abençoou. “fogueira santa” de Israel, é uma festa, que é feito que nem em Israel, que tem a páscoa, que comemorava a saída do povo do Egito, que era cativeiro, o Egito, Deus libertou aquele povo através de Moisés, e assim existe varias coisas, que nem o dizimo, é bíblico o dizimo, se a gente quer ser abençoado pela palavra de Deus a gente tem que crer na palavra de Deus, seguir os caminhos de Deus e fazer a vontade de Deus, não é uma só vontade, eu vejo assim, e assim começou a mudar a minha vida, eu comecei a crer, e fazer as ofertas espontâneas como…ninguém me obrigava a fazer eu fazia, como é que eu vou dizer assim, se eu tinha cinco eu dava, se eu tinha dez eu dava, mas dava de coração, ai eu imaginava o que eu ia receber, eu sabia que eu dava de coração que Deus ia me abençoar, e se eu fazia as coisas certas aqui fora, não é lá dentro da igreja, lá dentro da igreja é muito fácil, é muito fácil pra todas as pessoas no mesmo espírito é fácil tu dizer…tu crer em Deus, aqui fora que é o problema, aqui fora é que a gente tem que ter o caráter de Deus, não mentir, fazer as coisas certo é assim..… (fls.183-185)
Especificamente sobre as doações, assim como alegada ter feito a autora, GERSON LUÍS HAMESTER disse ter doado valores expressivos:
PROCURADORA DA PARTE REQUERIDA : Se ele já deu algum oferta expressiva na igreja?

TESTEMUNHA : Já dei, já dei…

JUÍZA : O que é expressiva?

TESTEMUNHA : Expressiva?Cinco mil, seis mil…

JUÍZA : Em dinheiro?

TESTEMUNHA : Já dei quatro mil e pouco, já dei carro, não me fez falta, eu tenho um carro, consegui outro adquiri outro, por que usei a minha fé, eu não usei o meu sentimento, “ai eu dei o e o que vai ser o que de mim?”, não, eu deixei o meu carro na mão de Deus, por que eu vejo que assim… (fl.186)
A partir de tais elementos probantes, fica demonstrado, portanto, que a autora não estava com sua capacidade volitiva íntegra, restando, assim, caracterizada a situação de vulnerabilidade psíquica e emocional da autora, nos termos do artigo 152 do Código Civil. Por óbvio, tal circunstância mitigou a capacidade de resistência e de discernimento da demandante para fazer frente aos apelos religiosos da requerida.
Igualmente, ante o exercício de coação moral pelos prepostos da requerida com o intuito de fazer a autora CARLA doar em seu favor por medo de sofrer castigos ou pela promessa de graças divinas, restou caracterizada a prática de ato ilícito pela demandada. Isso, porque a coação moral transforma a mera cobrança de dízimo e o desafio das doações em atos ilícitos por abuso de direito, a teor do disposto no artigo 187 do Código Civil.
a) Dos Danos Materiais
No que tange à perda patrimonial sofrida pelos autores, temos os depoimentos testemunhais prestados no curso da instrução e os termos de fls.81-82 – que indicam a doação de dois aparelhos celulares pela autora.
A testemunha JORGE LEDUR informou ter auxiliado a autora no transporte dos bens doados à igreja, entre os quais estavam dois aparelhos de ar condicionado, um fax, uma impressora e uma cozinha:
TESTEMUNHA : Eu conheci foi quando fui fazer esse frete pra ela, na época eu trabalhava nessa empresa do (inaudível) mini mercado, ela esteve lá e daí ela pediu pra fazer o frete e como eu fazia frete, e como eu fazia os fretes pra ele eu levei essas coisa pra ela lá, pra igreja universal.

JUÍZA : O que o senhor levou?

TESTEMUNHA : Eu peguei na loja dela foi dois ar condicionados, um fax e uma impressora, e depois eu peguei uma cozinha completa, mais um balcão e pia e mais um fogão, isso ai. Transportei na caminhonete e levei lá.

JUÍZA : Entregou onde?

TESTEMUNHA : Nessa igreja universal na Bento Gonçalves, no final da Bento, não se era pastou ou o que um senhor que me ajudou a descarregar, mas não sei quem era. (fl.148)
Questionado a respeito das doações realizadas pela autora, o pastor Márcio, na condição de informante, admitiu que houve a doação de uma cozinha, de um aparelho celular e de um ar condicionado pela autora:
JUÍZA : Nós vamos mudar um pouquinho, acho que a senhora pulou ali uma parte. Ela dou bens?

INFORMANTE : Sim, ela trouxe no dia lá na igreja…

JUÍZA : Quando que horário do dia ela levou isso?

INFORMANTE : Ela trouxe no dia que todo mundo trouxe, aquele dia num domingo, o pessoa todo tava trazendo ela trouxe também.

JUÍZA : O que ela trouxe?

INFORMANTE : Ela trouxe, eu me lembro, uma cozinha desmontada dentro da caixa, mas não tinha fogão, não tinha geladeira, eu lembro que eram moveis de cozinha dentro de caixas, e mais alguns objeto, acho que um celular…tinha mais um…acho que era isso ai mesmo, celular, essa cozinha desmontada na caixa…teve tanta gente que trouxe (..) trouxe uma penteadeira, uma outra senhora trouxe um ventilador, outra senhora trouxe um aquecedor, tinha tanta coisa naquele dia lá, mas todo mundo assinava quando tava dando.

JUÍZA : E essa da cozinho o senhor colheu assinatura dela?

INFORMANTE : Colhi, colhi sim, nós temos o papel ali.

JUÍZA : E o aparelho de ar condicionado?

INFORMANTE : Aquele dia entrou alguns aparelhos de ar condicionado, acho que entrou um ou dois…entrou aquecedor…

JUÍZA : Foi ela quem trouxe esses brindes?

INFORMANTE : O ar condicionado…acho que ela trouxe sim…trouxe um ar condicionado e tinha essa cozinha ai desmontada.

JUÍZA : Além disso o senhor viu se ela colocou envelope lá na hora da oferenda?

INFORMANTE : Ela passou pelo altar junto com as pessoas, mas se ela de eu não vi, por que eu tava de costas, eu tava orando por que no momento que as pessoas passam eu fico orando ai fica um obreiro segurando a sacola, ai nesse momento eu tava orando daí, quando ela passou e largou eu não vi quando ela colocou na sacola, se ela tava com o envelope na mão, por tem gente que passa só pro pedido também, outras passam com o envelope passam colocam, uma tinha envelope outras tinham só pedido, eu tava orando neste momento. (fls.212-213)
A partir de tais depoimentos, da natureza dos fatos controvertidos e da experiência comum subministrada pela observação do que ordinariamente acontece, forte no artigo 335 do diploma processual civil, tenho que os autores lograram êxito em demonstrar que efetivamente realizaram doações em favor da demandada.
Parte dessas doações realizadas, contudo, já foi devolvida aos autores. Conforme noticiado na imprensa local, os demandantes tiveram restituídos a cozinha, o colchão e o fogão doados (fl.27).
A doação dos aparelhos celulares está comprovada nos termos de doação acostados às fls.81-82 e estão discriminados na nota fiscal da fl.30. Quanto à impressora, há a confirmação de sua entrega pelos depoimentos supracitados, bem como há a nota fiscal de fl.31.
Da mesma forma, os depoimentos prestados pela testemunha JORGE LEDUR e pelo pastor Márcio confirmam a doação dos aparelhos de fax e de ar condicionado.
No entanto, não há prova suficiente nos autos de que o valor decorrente da venda do veículo dos autores foi efetivamente revertido em benefício da demandada. Igualmente, não há nada nos autos que comprove a alegada doação de joias e demais valores.
Assim, inexistindo qualquer registro documental dessas doações, nem prova de que todos os bens foram efetivamente repassados ao patrimônio da igreja requerida, tenho por temerário acolher na integralidade a pretensão de indenização por danos materiais deduzida pelos demandantes.
Da mesma forma, entendo que o pedido de condenação ao pagamento de lucros cessantes não merece ser acolhido, uma vez que não restaram comprovados nos autos os alegados prejuízos decorrentes da venda do veículo dos autores.
Por tais razões, é de ser condenada a demandada a restituir aos autores os aparelhos celulares e a impressora descritos nas notas fiscais de fls.30 e 31.
b) Dos Danos Morais
O dano moral encontrou a sua reparabilidade no plano constitucional, especificamente no artigo 5.º, incisos V e X, da Carta Magna:
Art. 5.º. […]

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[…]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
No caso em tela, inegavelmente, as circunstâncias postas feriram os direitos de personalidade dos autores, atingindo sua condição emocional, e, por conseguinte, configurando danos morais.
Assim, com o intuito de quantificar o dano moral, adoto entendimento de Sérgio Cavalieri Filho, que sustenta a observância do princípio da lógica do razoável. Para tanto, é necessário que o valor estabelecido seja adequado aos motivos que o determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Nos termos mencionados pelo citado doutrinador, a quantia deve ser compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes1.
Outrossim, em circunstâncias como as narradas nos autos, a reparação do dano tem por objetivo compensar o lesado de modo a atenuar seu sofrimento e, ao mesmo tempo, inibir a parte adversa na prática de novos atos lesivos análogos.
Por isso, especialmente em face da extensão do dano e da dúplice finalidade do instituto, entendo que o valor equivalente a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) aos autores atende à situação econômica das partes, sem ensejar enriquecimento indevido, e condiz com os parâmetros adotados pelo Tribunal de Justiça do Estado.
Por ilustrativo, nesse sentido, destaca-se o julgado que segue:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DOAÇÃO. COAÇÃO MORAL EXERCIDA POR DISCURSO RELIGIOSO. AMEAÇA DE MAL INJUSTO. PROMESSA DE GRAÇAS DIVINAS. CONDIÇAO PSIQUIÁTRICA PRÉ-EXISTENTE. COOPTAÇAO DA VONTADE. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO ARBITRADA. 1. ANÁLISE DO ARTIGO 152 DO CÓDIGO CIVIL. CRITÉRIOS PARA AVALIAR A COAÇÃO. A prova dos autos revelou que a autora estava passando por grandes dificuldades em sua vida afetiva (separação litigiosa), profissional (divisão da empresa que construiu junto com seu ex-marido), e psicológica (foi internada por surto maníaco, e diagnosticada com transtorno afetivo bipolar). Por conta disso, foi buscar orientação religiosa e espiritual junto à Igreja Universal do Reino de Deus. Apegou-se à vivência religiosa com fervor, comparecia diariamente aos cultos e participava de forma ativa da vida da Igreja. Ou seja, à vista dos critérios valorativos da coação, nos termos do art. 152 do Código Civil, ficou claramente demonstrada sua vulnerabilidade psicológica e emocional, criando um contexto de fragilidade que favoreceu a cooptação da vontade pelo discurso religioso. 2. ANÁLISE DOS ARTIGOS 151 E 153 DO CÓDIGO CIVIL. PROVA DA COAÇÃO MORAL. Segundo consta da prova testemunhal e digital, a autora sofreu coação moral da Igreja que, mediante atuação de seus prepostos, desafiava os fiéis a fazerem doações, fazia promessa de graças divinas, e ameaçava-lhes de sofrer mal injusto caso não o fizessem. No caso dos autos, o ato ilícito praticado pela Igreja materializou-se no abuso de direito de obter doações, mediante coação moral. Assim agindo, violou os direitos da dignidade da autora e lhe casou danos morais. Compensação arbitrada em R$20.000,00 (vinte mil reais), à vista das circunstâncias do caso concreto. 3. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA. 4. REDEFINIDA A SUCUMBÊNCIA. RECURSO DA AUTORA CONHECIDO EM PARTE, E NESSA PARTE, PROVIDO PARCIALMENTE. PREJUDICADO O RECURSO DA RÉ. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70039957287, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 26/01/2011)
Ademais, levando em conta que o quantum referente à indenização por dano moral está sendo fixada neste momento, esclareço que não se justifica a incidência de correção monetária e juros anteriores à própria determinação do valor da indenização. Ainda, é preciso considerar que, na quantificação do valor indenizatório, já estão sendo considerados os efeitos da mora. Desse modo, entendo que a verba fixada deverá ser atualizada monetariamente pelo IGP-M e acrescida de juros de 1% ao mês a contar desta data.

ANTE O EXPOSTO, julgo parcialmente procedentes os pedidos da presente ação indenizatória ajuizada por CARLA DALVITT e JOÃO HENRIQUE KOEFENDER em desfavor de IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, forte no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar a autora a:
a) restituir aos autores os aparelhos celulares discriminados na nota fiscal de fl.30 e nos termos de doação de fls.81-82; a impressora descrita na nota fiscal de fl.31; um aparelho de fax; um condicionador de ar Split 9.000 BTUS, marca Gri Ultra Slean; um ar condicionado de 7.500 BTUS; ou a pagar o valor equivalente aos citados bens;
b) pagar indenização à título de danos morais, no valor equivalente a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), os quais deverão ser corrigidos monetariamente pelo IGP-M e acrescidos de juros de 1% ao mês, a contar desta data até o efetivo pagamento.
Ainda, condeno a requerida ao pagamento de 70% das custas e despesas processuais, bem como ao pagamento de honorários advocatícios aos procuradores dos autores, que vão fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), com fulcro no artigo 20, §3.º, do Código de Processo Civil.
Condeno os autores ao pagamento do restante das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios aos procuradores dos autores, que fixo em R$ 800,00 (oitocentos reais), forte no artigo 20, §3.º, do diploma processual civil, cuja exigibilidade, contudo, fica suspensa em face da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.
Autorizo a compensação de honorários, nos termos do artigo 21 do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Lajeado, 10 de julho de 2012.

CARMEN LUIZA ROSA CONSTANTE BARGHOUTI,

Juíza de Direito.

1 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 3.ªed., rev., aum. e atual., Malheiros: São Paulo. 2002. p.97-8.