Direito Nosso

“Parece, mas não é”

Igrejas e congregações independentes adotam indevidamente nomes de grande denominações com as quais não mantêm qualquer vínculo.
Um fenômeno decorrente do crescimento do segmento evangélico está chamando a atenção de algumas das mais tradicionais denominações do país. É a clonagem de nomes de igrejas, utilização indevida de marcas tradicionais no meio protestante por instituições sem qualquer ligação com as grandes convenções, cujos nomes utilizam numa tentativa de atrair fiéis e de tirar uma casquinha na credibilidade alheia. […] No meio das mais de 300 mil igrejas evangélicas que funcionam no Brasil, muitas se parecem uma coisa e são outra. […]
Denominações como a Batista, a Assembléia de Deus e a Presbiteriana são as maiores vítimas da clonagem eclesiástica. Organizadas em convenções nacionais, essas três gigantes, que juntas reúnem milhões de fiéis, estão capilarizadas por todo o território nacional, com uma trajetória cuja origem remonta à segunda metade do século 19 e início dos anos 1900. […]
O problema é que nomes como os usados pelas grandes denominações já são de domínio público – ou seja, quem os utiliza não comete nenhuma irregularidade do ponto de vista legal. É o que explica o advogado e mestre em direito Gilberto Garcia, especialista na legislação ligada ao funcionamento das instituições religiosas.
Ele lançou o livro O Novo Código Civil e as Igrejas em 2003, época em que a mudança na lei causou alvoroço entre os pastores. Ele diz que um título como “metodista” pode ser utilizado por qualquer igreja, já que no Brasil é muito fácil abrir uma instituição religiosa. “Nomes como Assembléia de Deus, Igreja Batista ou Igreja Presbiteriana são exemplos de ‘nomes genéricos, chamados assim por não terem sido registrados em órgãos oficiais na época oportuna.”
Segundo Garcia, depois de devidamente regulamentadas, as igrejas têm direito de personalidade sobre seu nome, uma novidade implantada pelo novo Código Civil. “Tal direito antes era reservado aos cidadãos”, acrescenta. “Daí ser praticamente inviável a adoção de providência legal para impedir que alguém adote essas nomenclaturas.”
A proteção é assegurada, ressalva o advogado, apenas ao nome específico de uma igreja local, como Primeira Igreja Batista em São Paulo ou Igreja Presbiteriana Central de Brasília, por exemplo. “Cada igreja legalizada tem propriedade sobre seu nome específico, que é protegido contra plágios.”
[…] Ainda segundo Gilberto Garcia, o Judiciário não pode fazer muito para frear esse processo. “No prisma legal, a denominação que uma igreja escolhe não traz qualquer embaraço, e o Cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas não pode, a princípio, impedir o registro do Estatuto Associativo em função da nomenclatura”, explica. A Justiça só pode intervir, e assim mesmo se for provocada, quando o nome ferir o bom senso, os bons costumes e percepção da sua atuação como instituição espiritual. […]
Entre o público e o privado
O advogado Gilberto Garcia, especializado em direito civil e na legislação que rege as entidades religiosas, respondeu a algumas perguntas de CRISTIANISMO HOJE sobre o processo de abertura de igrejas:
CRISTIANISMO HOJE – O que é preciso para se abrir uma igreja no Brasil?GILBERTO GARCIA – A organização religiosa é uma entidade associativa, uma pessoa jurídica de direito privado. Para funcionar, ela precisa averbar seu Estatuto Associativo no Cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Em seguida os responsáveis devem providenciar o registro na Receita Federal obtendo assim o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). É preciso, ainda, obter o certificado de vistoria do Corpo de Bombeiros para o tempo, e em alguns casos, alvará, fornecido pela prefeitura local.
Existe algum tipo de controle ou exigência sobre quem será o titular da nova igreja?Compete exclusivamente à igreja, convenção, denominação ou grupo religioso estabelecer os critérios para que uma pessoa se torne um pastor – ou evangelista, presbítero, diácono, bispo, apóstolo … Não há qualquer controle público sobre isso, em função da liberdade religiosa consagrada pela Constituição Federal. Entretanto, se o dirigente vai assumir a presidência de uma organização religiosa – seja qual for sua confissão de fé – juntamente com a posição de líder religioso, ele precisa, de acordo com o Código Civil, ser civilmente capaz, e ainda, não ter qualquer pendência fiscal com a Receita. Também precisa comprovar que não foi condenado em processo criminal, através de certidões oficiais.
As entidades denominacionais não podem exercer um controle efetivo sobre a abertura de novas igrejas, sobretudo aquelas que utilizaram (sic) indevidamente nomenclaturas já consagradas? As denominações históricas não têm qualquer controle sobre a abertura de igrejas com seus nomes, pois nomenclaturas como Assembléia de Deus, Batista ou Presbiteriana são consideradas de domínio público, não havendo qualquer ilegalidade em sua utilização de modo genérico. O que não se pode é utilizar o nome de uma igreja local que tenha sido registrada, por exemplo, como Assembléia de Deus em Goiás ou Igreja Batista em São Paulo. No caso das igrejas locais, seus membros podem adotar medidas legais cabíveis para impedir, inclusive judicialmente, a utilização do nome específico, sob as penas da lei.”
Fonte: Revista Cristianismo Hoje
Edição: nº 11 – Ano: II